sábado, 29 de dezembro de 2012

36 - E a cada momento, mais comum

  Após o termino da aula, estão conversando do lado de fora de uma das sala um professor e um aluno. O professor é o João Macedo. O aluno, Renato.
  "Professor, como o senhor deve saber, eu não sou um cara muito... falante! E, por eu não ser muito sociável, não sei conversar direito, entende? É por isso que eu queria a sua ajuda. O que eu posso dizer para conhecer uma garota e, o mais importante, conquistá-la?"

  João fica confuso com o pedido do aluno. "Bem" ele começou. "Você poderia mostrar o seu interesse por ela. Faça perguntar pertinentes, não como um maníaco, mas como um amigo, o que eu já reparei que você já se tornou. Renato, eu te conheço muito bem, te acompanho a mais de 3 anos. Você é sobrinho do meu melhor amigo, então eu te conheço desde o dia que ele te adotou, claro que não oficialmente, mas isso mostra que eu o conheço muito bem. Meu conselho? Seja você mesmo. Não procure mudar por ninguém. Há um ditado muito bom que diz o seguinte: "Não procure pela pessoa certa, SEJA a pessoa certa". Sei que você é um garoto justo, educado, um cara que respeita as outras pessoas. Não mude, apenas tente ser um pouco mais sociável. Conheça pessoas, converse com elas". Poucos momentos de silêncio se passaram, apenas poucos segundos. "Esse é o conselho que eu tinha para dar. Espero ter ajudado".
  Renato nem piscava com as palavras de seu professor, tentando absorver cada letra daquele conselho dado tão gentilmente por ele. "Obrigado, professor, o senhor me ajudou muito e desculpa ter ocupado o seu horário de almoço, sei que tem que dar aula em outro colégio e eu aqui te segurando. Vá lá e boa aula para o senhor. E desculpa mais uma vez pelo seu atraso". João só sorriu. Tava na cara que não houve problema nenhum, afinal, para ele, é um prazer ajudar um aluno, seja com o que for.

  Ao fundo do corredor, escondida por detrás dos armários de ferro, há alguém a espreita, apenas observando os dois atentamente. Quando Renato começa a vir na sua direção, o tal vulto sai correndo pelos corredores. Renato apenas ouve os passos desesperados, mas não dá muita importância, afinal ele está em um colégio. Deve ser crianças correndo, pensa ele.
  No pátio, enquanto as crianças e adolescentes esperam pelos seus pais, há algumas rodinhas de amigos formadas ao redor das mesas e até no meio do pátio. São muitos grupinhos, grupos que olharam e olham até hoje com o canto dos olhos para Renato. Um olhar torto como se dissessem para ele não chegar perto, um olhar de repulsa, de desprezo. Porém, ele não procura muito até encontrar Leila em uma das rodinhas e vai até ela com um sorriso no rosto e ignorando por completo o desprezo alheio.
  "Olha lá, é o Renato!" disse, acenando para ele, Amanda, fazendo com que Leila, Júlia e Bruna se virassem também. "Você demorou um pouco. O que foi?" perguntou ela.
  "Ah!, não foi nada, só fui tirar umas dúvidas com o João Macedo, nada de mais" disse ele abrindo um singelo sorriso logo em seguida.
  A conversa continuou, Renato conversou, puxou assunto, riu, se divertiu... Mas o que ele não notou, foi que havia alguém com um olhar diferente para ele, um olhar penetrante, um olhar apaixonado para ele. Era Leila quem não parava de olhar admirada para ele. Sim, ela está apaixonada por ele. Ele também está por ela, mas um não sabe do sentimento do outro. Se ao menos ele parasse para olhar e reparar nos olhos de Leila, talvez ele tivesse a coragem de se declarar por ela também. Mas parece que isso será algo difícil de acontecer, afinal, pela primeira vez, alguém está realmente interessado nas suas palavras e na sua presença.
  Dez minutos depois, apenas Leila e Renato ficaram. Amanda, Bruna e Júlia foram todas embora. "Sobrou só a gente..." disse ele. Ambos tentam disfarçar os olhares, desviando para os lados. Na mente dele, as imagens daquela madrugada em que ela estava falando dele lhe vinham... Tudo que ele pensou na hora estava de volta.
  Um breve momento de silêncio, até que Renato vira-se para Leila, mas sem dizer uma sílaba sequer, porém, como se as almas dos dois estivessem ligadas, ela vira-se para ele ao mesmo tempo. Os olhares se encontraram, o momento se tornou mágico, o mundo deixou de existir, nada mais tinha importância, se não aquele momento. Renato olhou para aqueles olhos castanhos, olhos aqueles tão apaixonantes, tão profundos, o brilho daquele olhar fazia-o esquecer do mundo e ver apenas a alma nas profundezas daquele olhar. Uma alma que, quando era vista por Renato, o hipnotizava. Quando ele olhou bem fundo naqueles olhos, ele não viu a alma dela, mas se viu. Ou melhor, ele viu a alma dela e se enxergou nela.
  O coração acelerou, os olhos piscavam com maior frequência, o sorriso involuntário aparecia em sua face. A mão tremia e se fechava em leves tiques. A respiração, junto com o seu coração, acelerou. Ele se viu perdidamente apaixonado por ela.
  Porém, esse momento foi interrompido por uma buzina. Um carro estacionado bem em frente ao colégio fazia sinais sonoros. Era um homem com cabelos curtos e pouco grisalhos que chamava por Leila. Devia ser o pai. Ela, encabulada, disse que tinha que partir. Pediu desculpas e saiu em direção ao carro. Chegou lá, entrou e o homem, aparentemente, lhe vez uma pergunta. Leila saiu logo em seguida e, sem sair do lado do veículo, olhou para Renato que sorriu, mas percebeu que ela devia ter esquecido de algo. Olhou em sua volta e avistou a mochila dela a centímetros dele. Ele pegou a própria mochila e a dela e foi em direção dela, entregou-a e ela agradeceu, mas não saiu. Leila, vermelha, beijou-lhe a face, mas bem próximo a boca, entrou no carro e foi. Renato ficou imóvel e sem piscar.

sábado, 22 de dezembro de 2012

35 - Poucas palavras, mas já é o bastante

  Bruna. A garota que chamou Leila chama-se Bruna. Cabelos longos, negros, pouco enrolados, olhos castanhos e pele pouco morena. Linda, mas não tanto quanto Leila.
  Foram os três para o pátio e lá estavam mais duas garotas. Bruna, por algum motivo, sabia o nome de Renato. Deve ser por causa da chamada (ou por causa da Leila mesmo). Seria a Bruna que estaria conversando com Leila naquela madrugada? Bem, não dá para saber.
  Amanda, Júlia, esse é o Renato. Renato, a da direita é a Julia, a da esquerda é a Amanda. Meu nome é Bruna.
  Amanda. Loira, cabelos lisos pouco curtos, olhos castanhos também. Júlia já é um pouco diferente. O Cabelo longo e loiro e encaracolado possui uma mecha rosa. Os olhos dela são verdes, verdes escuros, porém bem marcantes.
  "Olá". Finalmente, parece milagre mas não é (pode até ser), mas Renato falou com alguém se não Esdras (e Leila). Ele está, finalmente, ficando sociável. Pode dar certo, como pode não dar. Só acompanhando para saber.
  Amanda á a primeira a puxar conversa com ele tentando quebras aquele clima de silêncio. "Então, Renato... Você é de onde?"
  "Sou daqui de São Paulo mesmo".
  "E já conheceu outras cidades, outros estados, outros países?". Dessa vez, a curiosa foi Júlia. Ela realmente parece interessada.
  "No máximo Águas de Lindoia e Santos. Um foi num natal com o meu tio o outro foi nas férias. E vocês, são de onde?"
  Amanda. "Daqui mesmo".
  Júlia. "Juiz de Fora, interior de Minas Gerais".
  Bruna. "Sou de Salvador, na Bahia"
  Júlia se interessa mais. "E que tipo de música você curte?"
  "Eu gosto mais de Rock, porém, não dispenso um bom MPB, sabe. Legião Urbana, Lenine, Ana Carolina, Cássia Eller, entre vários outros".
  E o recreio foi passando, chegou o horário das aulas, passaram-se elas até tocar o sinal final. A última aula era do João Macedo, então Renato chamou-o antes de ele ir embora enquanto todos os alunos se ausentavam da sala (e do colégio). "Tem um tempinho, professor?"

sábado, 15 de dezembro de 2012

34 - É preciso coragem para deixar de ser sozinho

  É chegado o dia seguinte, e Renato se levanta, porém, diferente. Diferente por dois motivos: Primeiro, ele está pensando em alguém, uma garota, em Leila. Segundo, ele acorda determinado em fazer algo diferente no dia ao invés das mesmices da rotina.
  É, meu caro leitor, leitor amigo, é agora que veremos se esta história toda será um lindo romance ou apenas mais uma tragédia. O que será não dá para saber, nem mesmo eu, narrador onisciente sei ao certo. Talvez eu não seja tão "sabe-tudo" quanto pensava ou deveria ser. Acho também que, mesmo se eu soubesse mesmo de tudo que irá acontecer eu não contaria, afinal, contar a surpresa antes da hora perde toda a graça e magia de tudo. Bem, vamos acompanha-lo e ver no que que dá. Ah!, só para lembrá-los, estou, neste momento, apenas narrando os fatos enquanto eles acontecem.
  Bem, chega de papo furado por que parece que o nosso "Romeu" já saiu de casa e já está no ônibus. Daqui uns minutinhos eu acho que ele chega no colégio para encontrar a sua tão desejada "Julieta".

  Ao chegar, Renato já se assenta no seu lugar costumeiro, porém, ao não avistar a mochila de Leila, guarda um lugar para ela. Ao chegar, Leila olha em direção ao Renato, que está em uma de suas "viagens" com o seu head-fone, e vê na frente dele uma mochila, a mochila cheia de patch de bandas, bótons e chaveiros. Era a mochila dele. Teria Renato guardado um lugar para ela? Teria ele, tão isolado, tão tímido, tão reguardado ter se preocupado em guardar um lugar para alguém ao seu lado? Era essa a única explicação que vinha na mente de Leila.
  Ela sorriu e sentou-se à frente de Renato.
  Quando o professor entrou na sala, como se fosse instinto do Renato, ele ergueu a cabeça tirando o head-fone da cabeça, mas ele tem uma surpresa ao fazer isso, o que o deixa sem reação: lá estava Leila. Não era um sonho, não podia ser um sonho. Ela reparou que ele se levantou e, com um singelo sorriso, desejou-lhe um bom dia. Ele sorri e responde desejando um bom dia a ela também.
  E é chegado o recreio e os dois ficaram sentados na sala conversando, até que uma das amigas de Leila a chama.
  "Vamos?" ela perguntou a ele.
  Gaguejando, Renato respondeu "Tu-tudo bem" e foram.

sábado, 8 de dezembro de 2012

33 - Bem me quer... Mal me quer...

  Já na escola, Leila e Renato se separaram após chegarem juntos. Ela por que encontrou as amigas, ele por que foi direto para sua rotina de chegar sem olhar para nada nem ninguém e ir logo sentando na sua carteira, fugindo da realidade até o início da aula.
  E o dia passou, Ela se sentou longe dele, nem ao menos se falaram mais neste dia. Retornando para casa, Renato só tinha Esdras como sua companhia. "Estou começando a achar que aquilo foi um sonho. Imagina, uma garota, uma mulher daquelas gostar de um esquisito como eu. Só em sonhos mesmo".
  Esdras respondeu com firmeza. "Por mim aquilo não foi sonho não. Pareceu tudo muito real para mim".
  "Mas você viu como ela agiu hoje o dia inteiro. Mal nos falamos na hora do café da manhã, ela nem se preocupou de sentar perto de mim. Não a culpo nem nada, muito menos estou reclamando. Ela faz o que bem entender, não tenho nada a ver".
  Esdras ficou em silêncio. Renato puxou fundo o ar e soltou-o em um suspiro mais profundo ainda. A expressão facial dele estava diferente do comum, estava mais pensativo, mais triste talvez. "Você ainda gosta dela, não é mesmo?"
  Renato deu de ombros. "Bem, não. Não só gosto dela. Eu... eu acho que a amo".
  "Acha? Como assim você 'acha' que está amando? Ou está ou não está, é fácil perceber a diferença um do outro".
  "Sei lá... Para começar, não paro de pensar nela, sempre que estou perto dela sinto uma palpitação aqui no meu peito. O coração acelera, o sorriso se fixa e não consigo tirar os olhos dela. Ah, como é linda. Ah como eu a desejo. Mas... por outro lado..."
  Esdras estranha a quietação de Renato. "...por outro lado, nós quase não conversamos um com o outro. Apenas ficamos, realmente perto um do outro conversando como amigos, ontem a tarde. SÓ, em mais nenhum momento. Não sei como se ama alguém em tão pouco tempo. Mesmo que haja destino e o meu seja estar junto com ela, as coisas não acontecem tão rápido assim". Ele suspirou mais uma vez enquanto Esdras apenas o encarava. "Não sei o que faço. Tentar me aproximar pode ser arriscado demais, afinal, eu sou dado como 'estranho' por muitos. Mas se eu não fizer algo, talvez ela pense que eu não queira nada". Esdras apenas o observou. "Dane-se, pensem o que quiser, não to nem aí".
  "Ao menos tomou uma decisão". Esdras diz com um sorriso.

sábado, 1 de dezembro de 2012

32 - A noite

  Algumas horas se passaram.
  Eram quase dez horas da noite quando Renato foi pegar uns lençóis e um travesseiro para ir dormir no sofá. "Mas já vai dormir?" Leila questionou.
  "O nosso ônibus vai passar bem cedo aqui na frente de casa, então eu aconselho você ir dormir também, se não não acordamos a tempo" Explicou.
  Renato foi até o banheiro, entregou para Leila uma escova de dentes nova e uma toalha e lhe disse que, se quisesse, poderia tomar banho. Ela agradeceu.


[...]


  Já passava da uma hora da manhã quando Renato levantou. Ele estava com sede, então foi para a cozinha pegar um copo d'água para ele. Na volta, ele percebe uma luminosidade vindo do quarto. Ele se aproxima lentamente. Era Leila. Ela estava com o computador dela, estava conversando com uma amiga.

  "Eu to te falando, ele é muito gentil. Sabe, acho que estou começando a gostar dele".
  "Diz para ele então".
  "Tá louca? É claro que não vou dizer nada. Vou deixar acontecer. Pode ser besteira minha, uma paixonite minha mesmo".

  "Eu quero conhecê-lo. Será que ele é tudo isso mesmo?".
  "Eu não mentiria para você, amiga, você sabe disso".
  "É claro que não, mas como você disse, pode ser uma paixonite mesmo".
  Renato estava apenas encostou as costas na parede e ficou só ouvindo, de modo que não era visto. Ele ficou surpreso, mas não disse nada, nem ao menos entrou no quarto, apenas fora deitar-se no sofá e dormir. Demorou para pegar no sono, mas quando adormeceu, o fez com um sorriso no rosto.

  Seis horas da manhã, o despertador de Renato toca, acordando tanto ele quanto Leila que adormecera apenas com uma camiseta dele e de calcinha, nada mais. Ele demorou um pouco para levantar, afinal, acordou pensando no que ouvira na madrugada. Será que era tudo real? Ou foi tudo mais um sonho? Pensou ele. Já Leila fora mais breve ao se levantar. Não percebeu como estava vestida, então apareceu na frente do Renato do jeito que dormira. "Bom dia" disse ela.
  Ele corou ao ver como ela estava. "A-Acho que... err... você está esquecendo algo". Ela não entendeu. Devia estar sonolenta ainda. Renato voltou a falar. "Suas calças".
  Ela deu um pulo, afinal, estava semi-nua na frente de um cara que acabara de conhecer. Leila foi correndo até o quarto. "Bom dia!" Renato gritou.
  Um minuto depois, ela volta, já de calça, para a sala. "Desculpa, nem me toquei de como estava vestida, ou melhor, como NÃO estava vestida". Os dois riram. Ela já deu um riso mais tímido, estava corada também.

  Eles tomaram café e saíram, foram para o colégio.

sábado, 24 de novembro de 2012

31 - A chuva anuncia a chegada de uma nova era

  A tarde se passou. Eles almoçaram, ficaram conversando e conversando e conversando... Até que, em um dado momento, a chuva veio.
  "Você me ajuda a fechar as janelas?" Disse Renato à Leila.
  "Claro!"
  Após o todas as janelas serem fechadas, eles sentaram no sofá e, com uma expressão de preocupação, Leila não se conteve. "Como eu vou voltar para casa agora? Meu pai vai me matar".
  Renato está preocupado com ela. "Não tem como você pedir para que ele te busque ou de você ir de ônibus?"
  "Não. O carro do meu pai está quebrado, não tem como ele vir aqui hoje, e não tem ônibus que passa perto de casa, sem contar que, o que vai para lá, o próximo só passa depois das dez horas da noite, e nesse horário é muito perigoso lá".
  "Entendo. Olha, pode dormir aqui comigo, se preferir. Você pode ficar na minha cama. Eu durmo no sofá sem nenhum problema".
  "Sério mesmo?" Leila sorri. "Então é melhor eu ligar para o meu pai para avisar, se não ele me mata. Licença..." E ela se levanta com o celular em mãos, procurando o número para poder ligar.
  Renato está sozinho na sala. "Sozinho". Não, Esdras está com ele. Ele sempre está.
  "Não acha que a sua situação está..."
  "Cala a boca. Não é o que está pensando. Não quero nada com ela, não aqui, não agora. Apenas queria lhe dar abrigo, um lugar para dormir, afinal, está chovendo, e mesmo que pare, ela disse que o próximo ônibus que vai para o lado da casa dela só passa depois das dez da noite, o que é muito perigoso. Não posso fazer isso com ela".
  "Eu sei disso, mas parece que você está se aproveitando da situação".
  "Não é nada disso. Já está falando besteira".
  "Ah! Ele entendeu a minha situação. A menos que eu chegue em casa amanhã depois da aula, não terei problema algum. Obrigada, Renato". Disse Leila enquanto voltava.
  "Fico feliz"

sábado, 17 de novembro de 2012

30 - São águas passadas, mas isso ainda me assombra

  O ano é 1980. A cidade ainda é São Paulo. Renato é novato no colégio. Quieto e sem tentar começar qualquer amizade sequer, ele apenas observa, analisa o ambiente quase selvagem. As patricinhas fazem rodinhas e mais rodinhas de fofocas, os caras "legais" conversam e zoam, mas colocam qualquer assunto obsceno nas palavras, típicas de garotos de 12 anos no começo de sua puberdade. Realmente são espécimes interessantes. O resto das crianças correm e brincam normalmente. No meio delas, uma garota. Normal, comum, cabelos castanhos pouco ondulados, olhos também castanhos, pele branca, mas não muito clara, e cheio de vida. Corre muito, mas não dá sinais de cansaço.
  Desde essa época, Renato vive sozinho, excluído por opção. Vem sozinho, vai sozinho.
  Um dia, essa garotinha o viu, viu que ele estava sonhinho e foi falar com ele.
  "Oi!!"
  "Olá"
  "O meu nome é Leila, e o seu?"
  "O meu? Renato"
  "Por que está tão sozinho aqui? Vem brincar com a gente!"
  "Não, obrigado pelo convite, mas não gosto muito de brincadeiras"
  Ela estranhou. "Um garoto de doze anos que não gosta de brincadeiras?"
  Pode parecer estranho, mas é a mais pura verdade. Renato não gostava de brincadeiras, não por que não podia, mas por que não queria mesmo. Preferia ficar apenas observando as pessoas, esses animais.
  "Bem..." Disse Leila, se levantando. "Eu vou voltar a brincar. Se quiser vir comigo, estarei te esperando lá, viu? Tchau! Gostei de conversar com você!"
  "Tchau. Eu acho que também gostei". E ela se foi.
  Desde esse momento, Renato apenas ficava olhando para ela, de longe, apenas pensando.
  E o tempo passou. Foi-se um ano, e mais um, até que, com catorze anos, começou a desenhar, e a desenhar muito bem. Passava quase o dia todo desenhando. Sentava na mureta do pátio para ficar observando Leila. Observava e fazia uns rabiscos no caderninho velho que ganhara de seu tio no último natal. Ele apenas desenhava, fazia esboços dela sentada, em pé, correndo, rindo, conversando... vivendo.
  Seria isso, meu caro leitor, uma paixonite? O famoso "primeiro amor juvenil"? Pode ser. Não só pode como é. É? Só pode ser. Não há outra possibilidade se não esta.
  E foi assim no ano de 82 inteiro. Mas a ausência do contato direto fez com que um esquecesse do outro. Não esquecer mesmo por completo, mas faz parecer que nunca chegaram a se conhecer. Ele fica olhando para a multidão, enquanto ela está ocupada demais com os amigos. Ao menos, isso é o que pode ser visto por qualquer um.
  Mas todos os dias, ele vai embora sozinho e ela com o pai. E todo dia ele chega sozinho e ela com o pai. E todo dia ele fica sozinho e ela com os amigos. E todos os dias ele a desenha, e os desenhos são aprimorados, ficam mais caprichados e bem feitos.
  E assim foi indo. Ele tinha um sentimento especial por ela, mesmo ela não sabendo de nada. Vivia preocupado com ela, via se ela estava se alimentando direito (ao menos no colégio), se estava realmente feliz e tudo mais. Ele se preocupava realmente com ela, com cada detalhe, mas nada pudia fazer, estavam muito longe um do outro, mesmo estando no mesmo colégio, e o pior, na mesma turma, mas o que realmente impedia eram as amizades, amigos "ciumentos" que faziam de tudo para manter a mesma turminha por tempos e tempos e tempos. Isso era o que preocupava Renato. Ele via que as amizades dela não estavam certas, via que o conceito de amigo não era totalmente aplicado naquela atmosfera, mas ele nada pudia fazer, era apenas mais um, era apenas um ninguém.

  "Entendeu, Esdras, tudo o que eu passo? Foi assim que eu sempre vivi, não posso perder essa oportunidade. Se continuar tudo igual, tudo bem, já estou acostumado, mas se mudar tudo, que seja para melhor, se não for, aí eu não tenho mais motivos para viver".

sábado, 10 de novembro de 2012

29 - Um pouco de mim é tudo o que precisa saber

  Sentados no sofá, calados. Ela já está com os pés descalços sobre o tapete felpudo, mexendo os dedos para relaxar. O lugar não é muito requintado, é só uma quitinete. Um quarto, uma sala, um banheiro e uma cozinha. Mesmo assim, Renato conseguiu deixar o apartamento espaçoso.
  Minutos de silêncio se passavam. Nem mesmo os carros eram percebidos por eles. Leila meche as mãos, aperta os lábios, parece escolher cada palavra cuidadosamente cada palavra que, por ela, poderá ser dito. Ela olha em volta, ele se levanta, vai em direção à cozinha. Após ele ter atravessado a sala, ela fala, como num reflexo. "Você desenha!". Ele apenas vira a cabeça e, com um leve e discreto sorriso, afirma com a cabeça.
  Sem sair do lugar, pergunta se ela aceitaria ver os desenhos. Ela se animou, sorriu e agitou a cabeça afirmando de modo exagerado. Renato entra no quarto e, poucos segundos depois, já está de volta com os desenhos. Ele entrega os papéis e vai em direção à cozinha. "Aproveite os desenhos e divirta-se, eu vou fazer um almoço rápido para nós dois".
  Todos os desenhos estavam com escritas em cima, como se fossem títulos, legendas, denominações deles. Leila foi vendo e apreciando cada detalhe na ponta do lápis com admiração. Os olhos brilham. E foi passando um por um, demorando para ver, apreciando cada detalhe, cada sutileza no traço. Londres; Gnomos; Ela [detalhe: a palavra "Ela" está escrito de forma mais sofisticada do que as demais]; Venatores; Bruxo; Fada; Esdras; Renato; Elfo; Encontro; Reencontro;
  Leila fica sem palavras, boquiaberta e admirada com o talento dele. O que mais chamou atenção, foi o desenho cujo estava escrito Ela. Parece que era o desenho mais trabalhado, o que ele teve mais trabalho e prazer ao fazê-lo, uma imagem desenhada não só com os pulsos e dedos, mas com o coração, o coração na ponta do lápis. Porém, apesar de ter três desenhos d'Ela, não havia nenhum que possuía um rosto, no máximo, mostrava um pouco do nariz e da boca, mas nada a mais. Porém, mesmo assim, ela ainda sentia algo, achava que o desenho lembrava ela.
  Enquanto isso, na cozinha, Renato preparava o almoço bem lentamente. Estava pensando. Ou melhor, conversando com Esdras.
  "Não tem problema ela estar olhando os seus desenhos? Afinal, ela está em alguns deles. você não acha que ela poderia pensar que você a desenhou?"
  "Mas essa não é a verdade?"
  "Sim, mas não por isso, mas... achava que você preferiria manter isso em segredo por um tempo"
  Renato para o que está fazendo e se apoia na pia. Uma respiração profunda veio. Ele pensou, e como pensou. "É, eu também achava...". Ele fecha os olhos e começa a lembrar-se do seu passado.

sábado, 3 de novembro de 2012

28 - O passado machuca


  Já fora do ônibus, Renato acompanha Leila até o apartamento dele. "Se não importa de subir escadas...". Ela só ri. Ri um riso tão doce quanto o mel e tão suave como uma brisa de verão. E subiram. Foram conversando, rindo. Até parece que ele faz de tudo só para ouvir mais uma vez aquele riso, ouvir novamente aquela voz. Bem, não só parece como está na cara, mas ele não se toca. Ao chegarem ao terceiro andar, Renato para. Há três portas: uma à sua frente, uma à sua direita e outra à esquerda. "Chegamos. Apartamento 32. Vamos, entre!" Ele pega as chaves do bolso e abre a porta para ela, deixando-a entrar primeiro, como se fosse um perfeito cavalheiro. Porém, ele não entra.
  "Tem certeza que é uma boa ideia? Afinal você é um adolescente que mora sozinho e está com uma garota, que parece muito estar gostando de você na sua sala". Esse é o Esdras, sempre duvidando de algumas ações de Renato, mesmo ele sendo apenas um fruto da imaginação dele. Esdras está parado atras de Renato, mas ele nem se vira para responder. "Não se preocupe" e entrou. Esdras só olhou.
  Ela está em pé no meio da sala, meio tímida, afinal ela é visita na casa de alguém que acabara de conhecer. "Sente-se! Pode ficar à vontade, por a mochila no sofá, tirar os tênis, não se preocupe com a 'etiqueta'. E me desculpe pela bagunça, viu? É que eu quase não me preocupo com a casa, mas eu faço uma pequena faxina de vez em quando, isso é, uma vez por semana, mas esqueci de fazê-la ontem". Ela riu, e ele adorou e achou graça também.
  "Não se preocupe com isso, as vezes o meu quarto fica pior em menos tempo. Mas... desculpa perguntar... você mora sozinho?"
  "Sim. Desde os meus dez anos, quando os meus pais morreram em um acidente... foi um incêndio na casa de uns amigos dos meus pais, eu estava junto, mas consegui sair vivo, diferente deles..." ficou alguns segundos aquele silêncio macabro. "Desde então o meu tio que me sustenta. Parece que ele é o único parente que me restou, só que ele mora na Alemanha e é impossível ele ficar aqui comigo e eu lá com ele. Tive uma babá por quase três anos aqui. Ele paga todas as contas e coloca um dinheirinho para emergências e lazeres para uma conta que ele criou para mim".
  "Sinto muito pelos seus pais".
  "Obrigado".
  E o silêncio novamente toma conta do lugar. Um silêncio melancólico.
  "Desculpa... é que... sei lá..." Renato não consegue nem ao menos terminar uma frase e solta um grito. "Aah!!! Esquece. O que quer fazer?"
  Ela dá de ombros e ri!

sábado, 27 de outubro de 2012

27 - Uma verdade revelada

  Renato e Leila estão em um ônibus na cidade de São Paulo. Eles estão voltando do colégio indo até a casa dele. O céu está cinza, o vento sopra fracamente, mas já é o bastante para levantar o cabelos. A viagem demorou mais que o de costume, foram quase duas horas, isto porque houve um acidente no meio do caminho. As pessoas, curiosas como são por natureza e apaixonadas pela desgraça alheia fazem tumulto por causa do acidente, torcendo para que, do meio das ferragens retorcidas, o motorista saia vivo.
  Tirando o fato de ser uma tragédia, o acidente foi perfeito para que Renato e Leila possam conversar mais e mais, possam ter mais assuntos e possam se conhecer mais. Esdras está logo ao lado deles. Ele está de pé só observando. Até pareceria estranho, isso se ele não fosse visto apenas por Renato.
  Enquanto isso, Leila fala. As doces palavras dela parecem hipnotizar o jovem rapaz. Política, colégio, música. Ah! como ela fala bem! Em apenas uma hora, ele já sabia que ela é centro-esquerda, amava a aula do João Macedo. e não suportava a aula de geografia do Maldonado, e também soube que adora Pink Floyd, Bon Jovi, Dire Straits e Guns N' Roses. Gosta também de Queen, Elvis e Aerosmith. É apaixonada por música e sonha em um dia ser cantora.
  "Como a vida passa rápido!" Renato olhou curioso. "Parece que foi ontem o dia que te vi pela primeira vez no sétimo ano. Via um garoto meio gótico, alguém que gostava de ficar sozinho. Chegava e ia embora sozinho. Nunca tinha ouvido a sua voz, mas percebia que fazia vários comentários pessoais"
  "Você me observava?"
  "É... ber..." Ela gaguejou. "de certo modo sim. Desculpa, mas você era estranho. Ao menos aparentava. Achava isso até ontem. Hoje eu vi que você não é assim. Mas..." ela abaixa a cabeça, mas não consegue esconder que ficou corada "...eu te achava bonito. E-eu sentia que... não sei... parecia, digo, sentia algo quando eu te via. Sentia que, por trás de todo esse isolamento, havia um garoto... Não! Um homem. Um homem carinhoso, doce, afetuoso e companheiro".
  Renato ficou boquiaberto, ensaiando um sorriso. Pequenos tiques em suas bochechas e piscadas rápidas denunciavam sua emoção. Ele fica sem jeito, gagueja ao tentar falar, dar uma resposta. "Bem... He he... é...". Nada, nenhuma frase, até que ele fecha os olhos, respira fundo e tenta mais uma vez. "Por que?". Ela foi surpreendida. Renato olha bem no fundo dos olhos dela como ela também o faz. "Por que você se abre assim com alguém que acaba de conhecer? Isso não faz sentido..."
  "Não sei, é que... parece que eu me sinto tão à vontade ao seu lado, senti algo quando fiquei perto de você que as palavras começaram a sair".
  Lá da frente do ônibus, o motorista, um velho amigo, grita. "Renato, o seu ponto!". Chegaram ao destino final. Ao descerem do ônibus, Renato agradeceu, como de costume, ao motorista por ter chamado-o e pela viajem tranquila também.
  E assim foi, até que eles entraram no prédio.

sábado, 20 de outubro de 2012

26 - O caminho é longo

  Surpreso, Renato fica imóvel ao olhar para trás e perceber a presença de alguém, uma garota com olhos que brilham com inocência e esperança, e um sorriso leve, mas meigo e sincero. Seus longos cabelos levemente ondulados e louros brilham com a luz das lâmpadas da sala e do corredor. Os olhos castanhos traduzem a pureza da alma e o acanhamento e timidez da carne. Os seios não muito grandes, mas também não muito pequenos são pressionados pela parede e por um dos braços, e o sorriso, Ah! o sorriso, os dentes pouco a mostra trazem calma para qualquer um.
  Alguns segundos se passaram no extremo silêncio, apenas os olhares cruzados e o zumbido das lâmpadas como trilha sonora do momento estão presentes. Renato dá uma leve virada no olhar à procura de Esdras, mas não o encontra. Uma gota de suor lhe desce pelo canto da testa até chegar ao queixo, pescoço e paras na gola da camiseta do uniforme.
  "O-oi". É ele que quebra o silêncio com uma fala gaguejada. E "Oi", ela responde. A passos lentos e curtos, como se estivesse com medo, a moça vai gradativamente aproximando-se de Renato, porém, vai chegando com uma postura firme, coluna ereta, mas com o meio do dedo indicados tocando o lábio inferior, como um sinal de timidez mesmo.
  Os pés arrastam no chão enquanto Renato continua o diálogo. "Leila é o seu nome, certo?"
  "Isso!" A timidez se fora. O sorriso está bem mais exposto e ela chega mais rapidamente ao lado dele e aguacha para ajudá-lo a recolher os pertences. "Vim lhe dizer que fiquei surpresa com o seu comentário na ultima aula. Eu jamais havia percebido como você era. Via apenas um garoto tímido que chegava sozinho e assim permanecia até que, ao fim de cada manhã, era sempre o último a sair da sala. Fiquei mais atenta nas suas ações nos últimos dois dias, mas hoje fiquei intrigada ao escutar o seu sussurro na aula de redação. Gostaria de conversar, se não se importa. O que vai fazer hoje a tarde?"
  "Bem..." Já se sentindo mais a vontade, senta no chão, abre um sorriso, tira o capuz da cabeça e esquece dos materiais. "Planejava ficar estudando. Você quer... espera, acho melhor não."
  "O que?"
  "Iria te chamar lá para casa para conversar, mas há dois problemas: Seus pais de virem te buscar e eu que vou de ônibus, fico mais de uma hora dentro dele".
  "Você está me convidando para ir na sua casa?"
  "Bem..."
  "Eu adoraria! Não tem nenhuma problema, já que eu iria ficar no colégio mesmo e não vejo problema em andar de ônibus. Se me convidou eu aceito, caso contrário, combinamos de sair um outro dia, talvez".
  "Então vamos. Dá cinco minutos até o ponto e eu ainda tenho que terminar de arrumar as minhas coisas. O ônibus chegará no meu ponto daqui a vinte minutos".
  E assim foi. Com doze minutos de adiantamento, os dois chegaram ao ponto de ônibus. A conversa flui como um rio até a chegada da condução. Lá dentro, por sorte, haviam dois lugares apenas. E lá se sentaram, um do lado do outro. E, como já era de se esperar, a conversa não parou em momento nenhum, mas nada era sobre assuntos muito pessoais.

sábado, 13 de outubro de 2012

25 - Acredite, você não está soziho

  Início de tarde, o colégio de Renato está, aos poucos, se esvaziando, já que as seis aulas já chegaram ao fim. Nisso, após a sala de aula estar completamente vazia, apenas com Renato exatamente como estava quando soou o sinal de fim de aula. E é assim que permanece por alguns segundos, até que então se levanta e começa a juntar seus livros e fichário. Agacha-se para guardar seus pertences e, simultaneamente, conversa com Esdras. De costas para a porta, espera poder se erguer e ir direto para o lado externo do edifício com nenhuma dificuldade ou pessoas obstruindo sua passagem. Não há pressa, uma vez que o ônibus que ele tem que tomar só chega no pondo dele daqui uma hora.
  Nesse momento, caro leitor, vejamos a situação: Renato está sozinho, sem ninguém para ele esperar e nem ninguém para esperá-lo, e o seu único contato é Esdras, alguém que só existe para ele. Não é real, um simples fruto de sua imaginação. Um amigo imaginário talvez? Difícil, uma vez que há apenas reflexões entre os dois, discussões. Nada de amizade, apenas alguém com quem ter debates e diálogos. Amizade não cabe na relação dos dois. Mas enfim, mesmo sem amizade, Esdras aparenta surpresa, mas com alegria por ter alguém que aparece à procura de Renato.
  Sim, eu disse que alguém foi atrás de Renato, alguém procurou aquele que não é procurado. Com parte do corpo escondido por detrás da parede e apoiando as mãos na porta aberta, há alguém que o observa esperando atenção. Não é uma pessoa qualquer, mas sim uma garota, a última pessoa que Renato (e por que não Esdras) estaria esperando.
  Bem, deixarei acontecer, por enquanto sem interrupções por comentários pessoais. Quem seria essa garota?

sábado, 6 de outubro de 2012

24 - A dura realidade

  Renato mora em São Paulo, mais precisamente, na capital. Seu apartamento possui um ponto de ônibus bem na frente da portaria. Todo dia ele pega uma condução que vai do bairro Santo Amaro até o Morumbi, onde fica o seu colégio. Ele mora sozinho, uma vez que, após a morte de seus pais em um trágico acidente, o seu tio banca a vida dele. O tio mora em outra cidade, uma cidade do interior chamada de Águas de Lindoia.
  Renato não é um garoto que pode-se chamar de popular no colégio. Na verdade, não conversa com ninguém. É o "excluído" da turma. Todos os dias ele se perde em seus pensamentos e desenhos. Um mundo vivido por ele e ilustrado por ele também. Sonhos, desejo, tudo se realiza e é até vivido por ele, mas no nosso mundo é o contrário.
  Há uma garota que ele observa, alguém que o atrai. O nome dela é Leila, e é uma das poucas pessoas que se arrisca em dar ao menos um "bom dia" para ele. Típica história hollywoodiana, poderia até ser, mas não tire conclusões precipitadas, caro leitor, essa história está apenas começando.

  Renato chega no colégio, o capuz sobre a cabeça esconde o headfone e o seu olhar da multidão. A mochila surrada em um dos ombros trazem poucos livros e muitos papeis, alguns em branco, outros já com desenhos prontos e esboçados. Uma caixinha de metal faz barulho no balançar de seus paços: é a caixa de lápis e material de desenho completo, presente dado no natal anterior pelo seu próprio tio. Ele enfim entra na sua sala, muitas carteiras vazias, mas muitos alunos em pé fazendo bagunça e algazarra (típica sala de ensino médio). Procura um lugar não muito no fundo, na verdade, um tanto na frente, na segunda cadeira. Ele pega um lugar colado à parede, um lugar onde ele encosta e olha, com um olhar cético para a cara de cada professor. Senta-se e espera a aula começar. Isso, meus amigos, é uma triste rotina repetida dia após dia por ele.
  A sala grande, com setenta alunos em sala, quase todos fazendo barulho, de repente vai se aquietando aos poucos. Motivo? O professor entrou. História. É dia de entrega de prova. Ele escreve o seu nome no canto do quadro como de costume e vai chamando aluno por aluno por ordem crescente de nota (mas não revela a nota). Por último, as três ultimas notas. Uma voz meio rouca e grossa calou o silêncio. "Vejamos quais serão os nossos três alunos mais bem colocados no quadro de nota. Em terceiro: Clarisse. Em segundo: Leila. Em primeiro: Renato. Leila e Renato foram os únicos a fecharem a prova, porém foi ele que apresentou respostas detalhadas e completas. Ela acertou tudo. Não desmerecendo-a, mas mostrando que vocês tem potencial". E a aula seguiu normalmente após vinte minutos de entrega de prova.
  Ao termino desta aula, o professor ia saindo quando parou na porta e chamou Renato para uma conversa em particular. Do lado de fora da sala, os dois conversavam. "Acho que você não gosta quando eu te exponho deste jeito, mas se você visse o tanto de zero que teve nesta prova, você entenderia o porque de eu ter te usado como exemplo. Precisamos incentivar esses alunos, e você é, digamos, o aluno perfeito". Renato apenas desvia o olhar. "Faça o que quiser, eu não ligo. Apenas faço a minha obrigação e aprendo. Quer me usar como exemplo? Fique a vontade".
  "Ótimo!!!"
  O professor da segunda aula já está dentro de sala quando ele retorna. Pede licença para entrar e toma o seu lugar.
  Matemática, Geografia, Recreio, Física e Biologia. Essas foram as sequencias do que Renato teve no colégio. Para terminar o dia, Redação. O professor chega animado na sala, fazendo brincadeiras como de costume. O olhar sádico de Renato permanece. "Bem, meus queridos, hoje trabalharemos um tema muito interessante. O tema de redação que veremos ao longo da semana será 'Felicidade'. Peguem uma folha e passem o resto para cá. Para o último de cada fila, peço que tragam-me as sobras" e passa fila por fila entregando um maço de folhas para o primeiro aluno de cada fila. Alguns minutos depois, o educador começa a falar, e no meio do monólogo ele cita um dos trechos da coletânea.
  "Você é feliz? O que seria felicidade para você? Vivemos em um mundo onde ser feliz ficou para segundo plano. Um tempo onde a prioridade é o dinheiro e, como resultado, ficamos felizes. [...] Tomando isso por base, meus queridos, vocês se acham felizes?"
  Sussurrando para si e olhando para a folha em branco em sua mesa, folha que ele planejava desenhar. "Feliz. tsc! É claro que eu sou feliz sem ninguém. Até parece que a companhia de outra pessoa me traria felicidade" e uma lágrima escorre no canto de um de seus olhos.
  Sarcasmo puro. Outra característica típica de Renato, mas isso você irá perceber com o passar do tempo.
  Logo atrás dele, uma cadeira atrás dele estava Leila, que por acaso acabou escutando o comentário dele que ficou o observando pensativa.
  Ao termino da aula, como sempre, Renato é o último a recolher seus materiais. Ele observara a saída de todos, imóvel, movimentando apenas os olhos. Finalmente sozinho, daí então ele se move. Ergue-se da cadeira e guarda lentamente seus pertences. O zumbido das lâmpadas são sua única companhia. Bem, os zumbidos e Esdras.
  "Por que sempre faz isso?"
  "Não tem ninguém me esperando, para que me apressar? É inútil".
  "Bem, eu não diria isso. Parece que há alguém te esperando sim. Ao menos hoje" Esdras faz um movimento com a cabeça indicando a porta.
  Renato, que está ajoelhado de costas para a porta, vira-se surpreso, e lá estava alguém.

sábado, 29 de setembro de 2012

23 - O Sonho

  Ouve-se uma sirene, é o despertador do celular de Renato que toca. Cabelo bagunçado, sem camisa, uma cueca samba-canção meio caído na cintura e um lençol amaçado cobrindo-lhe apenas uma das pernas. É assim que Renato acorda. O seu quarto está uma bagunça, mas isso não é novidade para ele. Cadernos de desenho, mochila escolar, vários lápis, lapiseiras e canetas espalhados pelo chão e pela mesa. Ele se levanta ainda meio adormecido. A luz matinal invade o quarto escuro por uma fresta, atingindo a face dele.
  Ele olha em volta. vê que está tudo diferente como estava antes. "Não acredito que foi tudo um sonho". Ele se levanta. Os pés descalços dão tapas leves no chão gelado. Passando ao lado da mesa, pega sua escova de dentes que estava sobre um desenho. Era Esdras.
  O som do atrito do metal com metal ao abrir a torneira é estridente. A água é gelada, porém, ele não se importa. Assim que começa a escovar os dentes, abre a torneira do chuveiro, a água nem quente nem fria vai caindo no chão e respingando em sua perna. Ele cospe na pia, se despe e entra no banho.
  Em um dado momento do banho, ele para o que estava fazendo e, olhando pro chão, reflete sobre o sonho. "Os gnomos, as batalhas, os diálogos... Tudo isso para o que?".
  Meia hora depois, pronto para ir ao colégio, passa pela cozinha, pega um saco de pães-de-queijo e sai.
  No ônibus já, ele, olhando pela janela, imagina tudo o que passou no sonho novamente.
  "Isso é normal para os humanos?" Perguntou Esdras.
  "Não. Poucos são como eu. Você, por exemplo, só existe na minha cabeça. Para os outros, você não é real, só é fruto da minha imaginação. Para mim, estou conversando com você normal, mas para quem me olha, apenas me vê olhando para o nada pela janela. Isso sim é comum entre nós: Desligar-se do mundo por instantes. A diferença é que isso já se tornou um vício para mim".
  "Entendo..."

sábado, 22 de setembro de 2012

22 - Um drible no Destino


  Uma voz angelical ecoou pela torre deserta. Sorrisos espontâneos tomaram conta dos rostos de Esdras e Renato ao ouvirem a resposta. Com um movimento leve de mão, a mulher que respondeu pediu e conseguiu a atenção de ambos e voltou a falar:
  "Não precisam se preocupar com mais nada, tudo o que precisava ser feito já não está mais no caminho de vocês. Vão. Vivam. Façam com que o Destino de vocês se cumpra. Que a Paz esteja convosco".

  Esdras agradeceu se ajoelhando. Ergueu-se e partiram lentamente.

  Ao passarem da porta que entraram, notaram logo que o dia voltou a ficar claro. A lua nem é vista aos arredores, não há homem suspeito algum e as pessoas agem como se nada tivesse acontecido. O destino realmente havia mudado. "Vamos, temos que encontrar Leila".

  São Paulo, Brasil. 14h32min. Domingo de outubro de um ano qualquer do século XXI. Leila está sentada em um Café de esquina no bairro Morumbi. Caminhando solitário em uma das ruas daquela esquina está Renato. Ela o vê primeiro e sorri, sorri um sorriso, não, o sorriso mais lindo e sincero que há. Um sorriso também tímido que é escondido por detrás da xícara.
  Poucos segundos depois, Renato avista a bela moça. Ela está sozinha, seria real? Os olhos dele brilham, a boca ensaia um sorriso, as mãos se apertam dentro dos bolsos e as pernas tremem ao caminhas. Um alívio lhe veio instantaneamente.
  Leila pousa a xícara sobre a mesa e se levanta arrumando a saia. Finalmente estão a pouquíssimos centímetros um do outro, ele, tímido, ergue os braços para abraçá-la, os braços a envolvem, fazem o contorno do corpo dela, mas não há toque. Leila, sorrindo mais, fecha os olhos e abaixa a cabeça. Quase que instantaneamente, Renato abraça-a com uma mão à cintura e a outra próxima à cabeça.
  Ela o abraça também.
  Um abraço longo, um abraço que não tinha fim, e era assim que ambos queriam. Um abraço protetor, forte e apaixonado. Um abraço tão intenso que sentia as almas dançando nesse ato de afeto. Não é um simples abraço, é o abraço de dois apaixonados.
  O destino parecia certo, arrumado e feito como deveria. Bem, realmente parecia...

sábado, 15 de setembro de 2012

21 - O Destino está traçado

  O ambiente está escuro. O silêncio toma conta. Feixes de luz lá no alto não chegam ao chão, formam uma faixa de claridade das brechas às paredes opostas. Ao enxergar essa luz, via-se o quão empoeirado estava o local. O cheiro de mofo dava enjoos em Renato.
  "Que fedor é esse?". Ele leva a mão coberta pela manga da camisa para tentar não cheirar. Ó tentativa falha a dele.

  "Esqueça e concentre-se. Apesar do silêncio, somos observados".
  Renato olha para cima e vê a escada em espiral ascendente. Enxerga a claridade contrastante à escuridão. "Esdras, não estava escuro lá fora? Por que será então que vemos essa claridade?"

  "Estamos em um lugar mágico. Essas frestas peneiram tudo, até mesmo a luz. Apenas aquilo que for realmente puro poderá passar, deixando tudo aquilo que é impuro para trás" e continuaram subindo. Metros e metros para cima em um breu jamais visto.
  Vários minutos se passaram até que os dois chegassem ao topo. É lá que fica todo o sistema do relógio. Várias engrenagens girando, cada um com o seu tempo, mas todos perfeitamente sincronizados. Um andaime é visto no centro, um caminho para que possa chegar às engrenagens. Abaixo, apenas um "abismo" direto até o chão. Do outro lado do caminho, há três moças que, aparentemente, estão flutuando. Não via-se os pés delas. Vestiam todas um vestido branco com mangas longas, um branco jamais visto, mangas mais longas que os próprios braços. Longos cabelos e uma face linda. Todas três emitiam um brilho não muito intenso, mas mágico, sobrenatural.
  "Espere aqui" sussurrou Esdras. Ele deu alguns passos em direção às irmãs e ajoelhou-se a poucos metros delas. "Perdão, mestras, pela invasão, mas foi um caso de urgência de protegido".
  "Prossiga!" disse a do meio. A voz dela era tão doce, suave e delicada, porém poderosa e cheia de vida. Aos ouvidos de um humano comum, chega a ser hipnotizante.
  "A alguns meses atrás, o meu protegido começou a correr grande perigo por forças malignas. Vimos que Lúcio está atrás dele. Outros que estão são os Venatores. Há também um homem misterioso que não conhecemos e nem vimos, mas deve sera origem dessas perseguições. Quero, digo, queremos saber se podem fazer algo por nós".
  As três se entreolharam. Ficaram alguns segundos imóveis, como se estivessem conversando. O silêncio passou a torturá-los. Insegurança e medo do incerto cobrem seus corações.
  Torturantes segundos se passaram até que veio, como num estalo, a resposta friamente dada: "Ajudar-lhe-eis".

sábado, 8 de setembro de 2012

20 - Ele

  Maria estava olhando uma loja de sapatos no shopping enquanto Leila estava na praça de alimentação esperando-a.
  "Você não vai comer?" perguntou Maria enquanto chegava e sentava.
  "Não não. To sem fome" disse sem desviar o olhar profundo e perdido em pensamentos infinitos e distantes.
  Maria senta-se junto de Leila, deixa as compras em uma cadeira ao lado e inclina-se para tentar puxar conversa. Mas era obvio: não havia assunto algum para conversar. E ficaram assim, minutos quietas, apenas ouvindo os barulhos dos passos e conversar alheias shopping afora. Porém, logo Maria percebeu no que se tratava e foi logo ensaiando as primeiras palavras. Apenas mexia os lábios, como se estivesse fazendo testes antes de realmente falar.
  "Qual o nome dele?". Pronto, saíram as palavras que estavam loucas para viajarem até o ouvido da jovem. Pronto, veio logo o único assunto que pairava na mente de Leila: Renato! Não queria dizer nada pois sabia a repercussão que geraria falar dele, falar de quem é ele, o que passaram, o que viveram... O que irão viver.
  Leila dá de ombros. Se faz de desentendida. Porém, as maçãs-do-rosto rosadas de um momento para o outro revelam outra resposta. Encabulada, começa a olhar em volta a procura de conhecidos, mas por sorte (ou talvez azar), nada nem ninguém fora encontrado. Logo, ficando ainda mais vermelha, começa a fuçar nas sacolas, perguntando o que havia sido comprado. Nada ocorrera como o esperado. Maria insistia em perguntar 'quem seria o homem que fitava o coração da bela moça?'. E ficava cada vez mais envergonhada, até que, toda encolhida de vergonha e timidez, Leila solta um gemido, haveria ela soprado fracamente o nome dele? Sim. Ela fala fracamente "Renato" e logo treme toda.
  Maria, mesmo velhinha, escuta perfeitamente a voz rouca que havia passado pelos lábios da moça. Logo, sorri. Por dentro, ela faz uma festa, mas por fora... Bem, faz outra festa. Uma alegria radiante parece ter tirado toda a timidez de Leila. "Percebi logo que estava apaixonada. Sabia pois vi esse olhar. Ah! esse olhar! Tão puro e verdadeiro que palavra nenhuma consegue explicar, muito menos enganar aqueles que conhecem o olhar de um amor jovem. É o mesmo olhar que sua mãe tinha pelo seu pai. Ela sempre chegava em casa com aquele olhar, e quando descobri, ela me contava tudo, todos os detalhes do dia dela com ele. Os dois se amavam. Era, definitivamente, o casal perfeito".
  Ao se lembrar da mãe ao ouvir essas palavras, Leila derrama uma lágrima quase que imperceptível do canto do olho. Ao mesmo tempo ela sorri. "Lembrar dela me acalma. Sinto como se ela viesse e me abraçasse novamente".

[Silêncio]


















sábado, 1 de setembro de 2012

19 - A procura de um destino

  Londres, começo de tarde. Um eclipse estranho está no céu londrino enquanto uma chuva fina cai sobre as cabeças daqueles que não se importam em andar na rua nessas condições. Apaixonados, desesperados, curiosos, indiferentes. São esses os tipos de pessoas que não se importam em andar na rua nessas condições. No décimo-terceiro andar, um casal está em uma relação de amor e afeto. No prédio vizinho, no primeiro andar, um casal está brigando, com certeza, por um motivo banal. No terceiro, uma garota com headphones toca guitarra e dança. Na cobertura, dois amigos bêbados brincam na grade de proteção jogando cerveja para baixo e vendo no que dá. Dois homens atravessam a rua, outros três, do outro lado do quarteirão, três pessoas conversam e riem. Na porta do hotel, uma mulher segura várias sacolas de compras. Em um beco, moradores de rua tentam se esquentar.
  "Sejamos rápidos, Renato, antes que nos descubram". Disse Esdras que anda a passos largos sob um guarda-chuva. Apesar da situação, o barulho das gotas no tecido sobre as cabeças chega a ser calmante. Ao menos ameniza a pressão.
  No meio do percurso, um homem que caminha em um sentido contrário parece desconfiado, preocupado com algo, mas Esdras e Renato o ignoram e vão direto ao Big-Ben. O estranho entra num estabelecimento, aquele mesmo em que os dois estavam.
  Ele está nervoso, revira mesa por mesa jogando-as para o alto. Os poucos clientes presentes estão assustados. Vidros se quebram no chão e o homem, parado, grita, esperneia com muita raiva. "ONDE ESTÃO VOCÊS, DESGRAÇADOS?!?!? Porra, Vocês não podem ter sumido assim do nada! Não pode ser". Ele soca a parede mais próxima. Apesar de um físico aparentemente não muito forte, a parede quase é atravessada pelo murro. Rachaduras aparecem na parede, uma poeira cinza invade o local, o chão ao redor dele está todo coberto pelo pó e pequenas pedras, pedaços de concreto.
  A alguns metros dali, Renato escuta o barulho de gritos e vira-se para ver o que poderia ser. Ao olhar para trás, Esdras também olha com curiosidade. "Corre" disse ele e os dois começaram a correr. "Não pode ser. Como?"
  "Quem é ele, Esdras?"
  "Lúcio. Um senhor do destino renegado. Ele estava na prisão mais bem guardada do universo. A prisão de Tártaros. É lá que ficam os criminosos mais perigosos dos universos. Ele foi para lá por causa que ele sabia como criar os destinos não só dos humanos, mas nosso também. Nós, os senhores do destino, somos os únicos que mudamos os destinos de todos, menos os nossos. Como vocês, temos destinos, mas há uma parte de nossa vida que o destino não haje, e é lá que ele trabalhou para descobrir. O destino define as pessoas que conhecemos, as que amamos, enfim, você entendeu. Fazemos com que ocorra. Como? Bem, isso o destino não se intromete. Agora vamos, entre logo antes que ele nos descubra". E os dois entraram na torre do relógio.

sábado, 25 de agosto de 2012

18 - Gotas rejuvenescedoras

  O café que Renato e Esdras pediram já estava no fim quando se levantaram. Eles foram em direção ao balcão, onde um jovem, o mesmo que havia os atendido quando entraram, estava falando ao telefone. "Eu sei amor... Acalme-se, eu vou chegar a tempo, não se preocupe. Quando o meu chefe me liberar eu vou até aí, essa chuva não irá me impedir. ... Tudo bem. Meu bem, eu tenho que desligar, tenho que atender uns clientes. ... Tá. ... Sem problemas. ... Eu levo sim, viu. Te amo" e desligou o telefone. "Olá! Aceitam mais alguma coisa?"
  "Queremos duas: A conta e uma troca de favores". Esdras e o jovem olharam confusos para Renato. Esdras moveu os lábios, torcendo para que Renato entendesse o recado, era algo como "Não o envolva" ou algo do tipo. "Precisamos de algumas roupas. Eu pago em dobro" e Renato mostrou um bolo de dinheiro, devia ter umas trezentas Libras Esterlinas.
  "Venham comigo"  moço do balcão levou-os para um quartinho nos fundos.
  O rapaz fica olhando enquanto os dois ficam fuçando nas caixas. Ele pergunta se estão fugindo de alguém. Renato confirma. "É da polícia?". "Não". Respostas rápidas.
  "Essa aqui é perfeita. Encontrou alguma coisa, Esdras?"
  "Quase. Já já vou encontras. ... Achei!!! Pegou o guarda chuva?"
  "Claro, não posso esquecer. Muito obrigado..."
  "Jhonny, meu nome é Jhonny".
  "Jhonny. Muito obrigado mesmo. Boa sorte com a moça!"
  "Obrigado".

  No Brasil, Leila e uma das empregadas de seu pai estão conversando.
  "Sim, Maria, duendes. Por favor, acredite em mim, a senhora sabe que eu jamais mentiria pra você."
  Maria se levantou e abraçou a menina. "É claro que eu confio em você. Acalme-se, irei te proteger a todo custo. Não se preocupe. Estará segura aqui no seu quarto, haja o que houver".
  Minutos depois de "conversinhas de mulher", Maria, decidida, levanta-se e abre o guarda -roupa. "Venha, deixe-me escolher uma roupa para você. Iremos sair".
  "E se meu pai descobrir?"
  "Não terá problema nenhum, ele falou pra mim enquanto você estava dormindo que, se você saísse, era para eu te acompanhar e trazê-la antes que anoiteça. Então venha. Tire essa roupa, tome um banho que eu vou escolher a melhor roupa pra você e iremos.
  Leila aceitou a proposta. Entrou no banheiro, fechou a porta e começou a se despir.
  A sensação da água caindo em sua cabeça a acalmava, é como se todas as preocupações fossem levadas pela água e desciam pelo ralo. De cabeça baixa, ela começou a pensar, refletir. As gotas caiam em sua cabeça, a espuma ainda cobria os braços, o peito e a barriga. Com os olhos abertos, ela imaginava, via Renato. Estaria apaixonada? Por que ele não se ausentava de seus pensamentos, sua memória? Ela agitou a cabeça pros lados (como um cão ao se secar) e deixou a água escorrer pelo seu corpo todo, tirando o resto de espuma que ainda sobrara.
  Ao sair, estava enrolada em uma toalha, estava coberta do peito à metade da coxa. Seus longos cabelos ainda pingavam. "O que acha?" perguntou Maria mostrando uma blusa branca larga, uma calça jeans preta. Na blusa, uma imagem era notada, parecia um desenho feito a lápis. Era O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci.
  "Perfeito! Onde vamos?"
  "Em um lugar que eu sei que você precisa ir. Num lugar que você adora".
  Leila colocou a lingerie, vestiu a calça, a blusa, as meias. Mas ao calçar o All Star, aquele mesmo que ela estava quando conheceu Renato, as imagens deve vieram em sua cabeça novamente. A mente dela foi tomada pela presença dele, tanto que ela conseguia ouvi-lo chamar seu nome, sentir seu toque, seu cheiro. Mesmo a milhares de quilômetros, eles estavam lado a lado, ao menos é o que ela sentia.
  "Leila? Leila? Está tudo bem?"
  Ela voltou à realidade. "Está sim! Não é nada" encachou o tênis num movimento único e se levantou puxando Maria.

sábado, 18 de agosto de 2012

17 - Ventos líricos

  Em Londres, algo muito estranho acontece: um eclipse sobrenatural, diferente de todos os outros. Minutos angustiantes se passam para Renato e Esdras. Todos olham sem piscar, não sabendo se ficam com medo ou admirados com o ocorrido. De repente, uma chuva começa a cair levemente, molhando a calçada, as pessoas. A água se infiltra por entre os paralelepípedos da rua. Uma chuva fina, porém pesada e negra. Ao sentir as totas tocarem o seu corpo, Esdras grita e puxa Renato como num reflexo. "Vamos!" e os dois começam a correr em direção ao grande relógio londrino.
  "O que é isso?" perguntou Renato.
  "Ela é conhecida como Moon tear. É uma chuva negra que só ocorre quando um eclipse é criado".
  "Mas eu já presenciei um eclipse e isso não aconteceu. Como pode...?"
  "Eu disse criado. O que você viu aconteceu. A diferença é que, quando criam, a natureza inteira se muda, os mares, tudo perde seu padrão, e apenas as fadas conseguem trazer tudo à normalidade. A questão é que essa Moon Tear é perigosa para certas pessoas, pois é como se fosse o Tato da lua. Se eu estiver certo, os venatores que fizeram isso. Se for, temos que nos preparar para o pior. Enfim, fique alerta".
  Eles correram por cinco quarteirões até encontrarem uma padaria aberta para se esconderem. "Estaremos a salvo por ora". E numa mesa os dois sentaram. Ambos pediram um café. "O que pode acontecer?" perguntou Renato. Esdras juntou as mãos, colocou-as sobre a mesa redonda, se encurvou em direção ao jovem e o olhou fixamente. "Digamos que você morre. Da lua virá uma espécie de raio negro, que te queima com o menor dos toques. Mas eles não querem te matar... ainda. Você é muito importante para eles, só não sei para o que, mas é".
  "E por que então eles criaram esse eclipse?"
  "Para nos atrasar. Eles sabem que só as irmãs podem fazer o destino mudar, até mesmo da Leila. Eles sabem onde ela está, então fizeram isso para que não conseguamos encontrá-las a tempo. Só não sei como chegaremos ao Big-Ben sem sermos desintegrados".
  O café chegou. O cheiro daquele líquido negro subiu pelas narinas. O doce aroma relaxou-os por um breve momento. Os olhos de Renato se fecharam, um sorriso tímido se abriu em seu rosto. "Já sei, Esdras, vamos nos disfarçar. Se ele quer apenas nos atrasar ou nos matar se for preciso, vamos nos disfarçar. Ele não pode nos matar se não souberem que somos nós, certo?". O mesmo sorriso invadiu a face de Esdras.

sábado, 11 de agosto de 2012

16 - Depoimento


  Leila está no seu quarto, sentada na sua cama junta com uma das empregadas de seu pai. Ele saiu faz poucos segundos e em tão pouco tempo a expressão facial de Leila mudou tão drasticamente.
  "Não quer me contar alguma coisa?" perguntou a mulher.
  Leila abaixa a cabeça, fecha bem forte os olhos e começa a chorar. A mulher a abraça para tentar consola-la. Com a voz falhando por causa do choro, Leila tenta pronunciar as primeiras palavras. "Não sei se sabe, mas ele é um bruxo, um feiticeiro. No dia que eu fugi, eu tinha escutado que ele queria me usar de sacrifício para alguma coisa, eu não sei, não consigo me lembrar direito o que é, só sei que o que só me restava era fugir. Quando acordei aqui, ele me veio com uma conversa fiada que estava sendo irônico ou algo assim. Não acreditei muito, a mentira estava bem à mostra na cara dele".
   "Nossa!" a mulher ficou espantada com a notícia, principalmente pelo fato de que seu patrão é um bruxo. "E o que aconteceu nesse tempo todo? Você ficou uns três meses fora!".
   Ela deu de ombros, como se não importasse. Leila se ajustou na cama, pôs as mãos sobre os joelhos e respirou fundo. "Bem, a princípio, corri. Peguei a minha mochila do colégio, que por acaso estava com uma blusinha minha e a minha carteira, e fui até a estação de ônibus mais próxima. Lá, escolhi a que tinha a partida mais próxima, queria ir embora o mais rápido possível. Acabei indo para uma cidadezinha chamada Águas de Lindoia e fiquei por lá esse tempo todo. Fiquei trabalhando num hotel lá o resto do tempo. Num dia, um homem bem pequeno, um anão mesmo se hospedou lá. Quando ele me viu, me cumprimentou e puxou conversa comigo. Ao desenrolar do assunto, ele perguntou se eu era filha do Doutor Ricardo. De acordo com ele, eu era muito igual a ele. Nisso, ele perguntou se eu não queria sair pra conversar, mas eu tinha serviços a fazer, então recusei. Nisso, todo dia ele insistia, até que, em um dado momento, ele me chamou no quarto dele. Ele enlouqueceu, perdeu a paciência. Aí ele abriu a mala dele. Tinha um tipo de porta lá. Dela, saíram muitos bichinhos estranhos, eram duendes. Me perseguiram por muito tempo".
   "Espera, você disse 'duendes'?

sábado, 4 de agosto de 2012

15 - Tudo parece tão... SUSPEITO

  Esdras e Renato estão na prefeitura, no gabinete do prefeito em frente a um estranho elevador. Eles entram no elevador que começa a descer.

  Minutos passam e o elevador continua descendo, Até que, finalmente, chegam num lugar sem nada. Está tudo preto, mas uma ótima luminosidade. O local aparenta não ter chão, não ter teto e nem mesmo ter paredes, apenas via-se muitas portas, formando um contraste perfeito de "preto-e-branco".
  "Vamos" gritou Esdras que já estava a metros do elevador (também, com passos largos, afastar-se tanto em tão pouco tempo é comum). E Renato deu um salto ao ser chamado. Ele fica admirado, olha ao redor, vê nas portas brancas pequenas placas com nomes de cidades.
  Enquanto isso, Esdras vai à frente, murmurando letras enquanto observa as portas. "J... K... L.. AQUI!! Chegamos. Venha, não podemos perder tempo". E foi logo abrindo a porta, liberando uma forte luz cegante.
  "Onde estamos?" Perguntou Renato coçando os olhos.
  "Londres. Temos que ir para o Big-Ben".
  À caminho, em pleno "sol de meio-dia", Renato nota algo estranho: Está tudo ficando escuro, uma sombra toma conta do lugar, os londrinos pararam para ver o que acontecia. Muitos não notaram, mas o sol estava sendo ofuscado, ou melhor, perdia gradualmente o seu brilho. De repente, o sol, o céu, tudo ficou preto, porém, via-se as pessoas, mesmo sendo tudo preto, bordas em branco (olhos, cabelo, o contorno de seus corpos também). E Londres ficou nessa escuridão por um bom tempo. Horas. Cerca de três horas e meia depois, um feixe branco veio direto do sol em direção à Terra
  Renato nem se movia, não conseguia fazer nada. Mal sabia ele que o alvo era ele.

  No Brasil, um pai e sua filha se abraçam, derramando lágrimas. "Eu tenho que ir. Tenho uns negócios para tratar. À noite eu volto, tudo bem?". A garota afirma com a cabeça. logo após a saída dele, uma mulher de mais idade entra no quarto da bela moça. "Está tudo bem?" perguntou ela preocupada, entrando de fininho. A moça afirma com a cabeça. "A senhorita é muito querida aqui, viu. Você que me perdoe, mas eu nunca fui muito com a cara do Doutro Ricardo. Pra mim, ele tá sempre escondendo alguma coisa. E tem gente ainda que diz que a mentira tem uma face: a dele. Me desculpe te falar isso, mas parece que estava acreditando em cada palavra dele, mesmo sendo o contrário do que acreditava. Quer me contar alguma coisa?"

sábado, 28 de julho de 2012

14 - É chegada a hora

  Esdras leva Renato até o metrô, paga as passagens e vão em direção à prefeitura. "A viajem não vai demorar. Fique atento o tempo todo. Ainda está com a espada que te dei?". "Sim" respondeu o garoto. "Ótimo! Não deixe à mostra".
  A viajem foi tranquila, sem nenhum problema. Ao chegarem ao local do desembarque, vão à prefeitura, mas pouco antes de entrarem, Renato parou logo à frente da porta, segurando Esdras pelo braço. "Não vão achar estranho um garoto entrar, não dizer nada e ficar entrando em tudo quanto é porta?". Esdras se vira e encara Renato. Abre um sorriso e logo diz "Não se preocupe, eles irão me ver, só por um estante. E outra, eu tenho contatos aqui, não se preocupe".
  "Seriam espiões ou algo do tipo?"
  "Eer... di-digamos que sim" especula Esdras gaguejando enquanto vão entrando. Lá dentro, seguem direto ao gabinete do prefeito. Ninguém os adivertiu. Entram no gabinete e Esdras pede para Renato fechar logo a porta. ele o faz. "Vamos, Renato, me ajude aqui a empurrar a mesa" e o garoto foi rapidamente. Ao retirarem o móvel, via-se nitidamente um retângulo grande, onde caberia uma pessoa, talvez até duas. Esdras apoia a sua mão estendida sobre o quadrado e uma luz rosada sai por entre a mão e o piso. logo depois, o retângulo se ergue.
  "I... Isso é um..." gagueja Renato surpreso.
  "Sim, é um elevador. Vamos, entre logo e sem mais perguntas" e ele o fez.

  Não muito longe dali, no mesmo prédio onde Leila foi levada, na moradia da cobertura, ela está deitada em uma cama. Aos poucos vai abrindo os olhos e se erguendo. "O que... Onde estou?" sussurrou ela. "Não se preocupe, está segura, está em sua casa" disse o pai entrando no quarto. Leila fica com medo e não consegue se mover graças ao sentimento. "Relaxe, não lhe farei mal algum. Sou seu pai, não sou?".
  O queixo dela treme, os olhos estão arregalados e as mãos apertam com força o lençol. O homem chega mais perto e senta ao seu lado na cama, abaixa a cabeça e junta as mãos. "Eu te amo, filha. O que você ouviu, não é o que você está pensando. Haviam homens que queriam que eu fizesse aquilo com você, eu só estava sendo irônico. Eu neguei de fazer aquilo. Desde que sua mãe morreu, eu tenho medo". As mãos de Leila se relaxam e ela olha para baixo pensativa ao lembrar da mãe. "Eu tenho medo de te perder. Você é muito parecida com ela, principalmente esses dias. Seu cabelo loiro escuro e cacheado, seus olhos castanhos, sua determinação... sua coragem" a voz dele fica mais suave "você é muito parecida em todos os sentidos com a sua mãe. Como você deve saber, eu sou um bruxo, e sua mãe também sabia. Sabia até antes mesmo de nos casarmos. A diferença é que eu contei pra ela, e você descobriu de outro jeito".
  "Por que você escondeu isso de mim, pai?" a voz sai suave e baixa.
  O homem vira o rosto e olha nos olhos da moça. "Por que eu queria te proteger. A partir do momento que você soube, o perigo te ronda. Não tem mais volta, mas o único jeito de você se proteger é estar em casa".
  "Então não foi você que mandou aquelas... aquelas... coisas?".
  "É claro que não. Elas te querem como refém para que eu faça coisas contra a minha vontade. Por favor, acredite em mim" e uma lágrima escorre do rosto dele.

sábado, 21 de julho de 2012

13 - De volta pra casa, filha


  A alguns quilômetros do local do sequestro, um homem de terno olha pela imensa janela de seu escritório, admira a cidade. Está chovendo, mas chovendo fraco, o bastante para deixar uma fina camada de água escorrendo no vidro.
  "Senhor..." alguém chama-o enquanto abre a porta, o homem apenas vira um pouco o rosto, olhando de lado para a porta. "Tem três moços querendo vê-lo, dizem que é muito importante".
  "Tudo bem, obrigado Arthur, diga a eles que logo descerei".
  "Sim senhor" e sai.

  Alguns minutos depois, o Homem bem vestido chega no saguão e encontra os três homens. "Conseguiram?". Um deles dá um passo à frente e responde positivamente, e chama para irem para fora, onde o carro estaria estacionado. Ao chegar lá, abre a porta traseira e lá estava uma moça vendada, amordaçada e com as mãos amarradas, mas desacordada. "Tirem tudo!" ordenou o granfino, e assim foi feito por um dos três cavalheiros. Sem venda, mordaça ou corda alguma, nota-se perfeitamente a identidade da refém. É Leila.
  "Se...Senhor" gagueja um dos moços ", viu que não sofreu nenhum arranhão? Tomamos o maior cuidado com ela".
  "Bom trabalho. Foi muito bom pra vocês que a minha filha tenha chegado ilesa em casa. Caso contrário, vocês simplesmente não viveriam para verem o fim desse dia" e dá uma piscadinha com um dos olhos, sorri e pega a filha em seus braços.
  Ao entrar no saguão do prédio carregando a garota, todos os trabalhadores param e ficam curiosos. O pai de Leila chama o elevador, vira para todos, que assustam e voltam a trabalhar normalmente, e diz em alto e bom tom: "Ela está bem, apenas voltou muito cansada da viajem que não resistiu e dormiu. Amanhã mesmo ela estará normal. Obrigado pela preocupação de todos". Um tipo de sino toca e a porta do elevador se abrem. Ele aperta o botão C (de cobertura) e sobe com Leila em seus braços.


  Na periferia da cidade, Renato com raiva "escorrendo de seu rosto", corre por entre as pessoas em direção à prefeitura, mas nem sinal de Esdras. Ao chegar num cruzamento, nem espera o sinal fechar para os carros, vai correndo por entre eles, pulando como um macaco para desviar dos carros que tentam frear mas não conseguem parar antes de chegar no Renato. Lágrimas voam de seu rosto enquanto pula, corre e desvia dos obstáculos.
  Ao virar numa esquina, parado nela está Esdras, que o segura e grita com ele. "Calma! Assim você acabará morrendo e não poderá fazer nada pra salvá-la. Vamos conseguir, basta paciência". Renato abaixa a cabeça e morde um dos lábios. Esdras, com um movimento de mão ergue a cabeça dele. "Venha, vamos pegar o metrô, é mais rápido e seguro!". Renato faz um sinal de positivo com a cabeça e desce as escadas.

sábado, 14 de julho de 2012

12 - E chegam a cidade da garoa


  Um pouco mais de um mês se passou, seis semanas para ser mais exato, desde aquele incidente do seleiro e o trio chega, finalmente na cidade de São Paulo. Foi uma viagem longa, cansativa, mas ao menos chegaram inteiros. Chegaram por volta das duas horas da tarte, procuraram um lugar para poderem almoçar.
  Logo de cara eles foram para o primeiro restaurante que encontraram, é um do tipo self-service. O lugar não era muito chique, estava caindo aos pedaços para falar a verdade, mas ao menos podiam comer. Eles sentaram numa mesa próxima a porta sem nenhum motivo especial, apenas por conforto mesmo (era a única mesa que estava limpa). E foram se servir. Leila foi direto à salada, enquanto os dois foram comer carne.
  Enquanto isso, numa mesa próxima, quatro homens conversam, um deles com um capuz cobrindo-lhe o rosto, Um deles possuía uma cicatriz logo abaixo do olho esquerdo. "Então é só isso que você quer que nós façamos?" perguntou um dos homens. "Isso! Se ocorrer tudo como o planejado, cada um leva uma bolada de dinheiro" disse o encapuçado. "De quanto exatamente falamos?" disse outro. Como resposta, o homem que se esconde levanta uma maleta brilhante e abre em cima da mesa, mostrando vários bolos bem organizados de dinheiro. "15 mil reais para cada". "Isso só por causa de uma garota? Tudo bem então" disse o cara com a cicatriz ", aceitamos!". "Perf..." o homem do capuz, levantando a cabeça, mostra o rosto e assim, vê logo de cara Leila. Ele arregala os olhos e fica com a boca aberta.
  "Não pode ser" ele sussurrou pra si próprio. Rapidamente, ele volta com a sua expressão de sério. "Cavalheiros, tenho uma ótima notícias para vocês. O alvo está mais próximo do que imaginam" e aponta com o queixo para Leila. "Levem-na ao meu apartamento o mais rápido possível e não deixem rastros" e sai rapidamente.
  Os três homens se entre olharam, um deles deu de ombro e se levantaram em direção à Leila que está sozinha no caixa pra pagar. "Olá gata. O que uma bela moça como você faz num lugar como esses?" disse um dos homens. "Olha, se querem me assaltar, sinto lhes dizer que não tenho nada". Não não..." se apressou dizendo outro homem, "nós só queremos te proteger, lugares como esse tem muita gente má". "E quem me garante que vocês não são tais pessoas más?" retrucou a moça. O terceiro chegou com um copo cheio "Pessoas más te pagariam um almoço?" disse colocando uma vinte reais no caixa. "Vamos, só estamos tentando ser legais com você. Nos dê uma chance de provar isso, por favor."
  Ela pega o copo e dá um gole. Agradece...
  Espera! Tudo está escuro? Não estou enxergando nada! O que aconteceu? Que vozes estranhas são essas? Tenho que tentar chamar Renato e Esdras. ... Espera... a minha voz... não sai... por que?
  Na mesa próxima a porta, alguns minutos depois do incidente da garota, Esdras e Renato sentam com o prato cheio para almoçar. Eles se perguntam de Leila, mas é claro que nenhum dos dois imaginam o que aconteceu. Hipóteses como de ela estar no banheiro, por exemplo, surgem, mas não há respostas certas.
  Os dois terminam de almoçar e nada da Leila aparecer. "Estou ficando preocupado com ela. Será que aconteceu algo?" Indagou Renato. "Não sei. Vou dar uma olhada pelo restaurante, e você poderia dar uma olhada lá fora". "Certo!". E foram.

  Renato está andando na calçada barrenta na frente, procurando por Leila e por pistas. Esdras, alguns minutos depois aparece. "Nenhum sinal dela. E você?". "Nada também" Disse Renato com um joelho no chão olhando para baixo. "Espera! Acho que achei alguma coisa". Ele pegou uma fita roxa do chão. "Isso não é da Leila? Ela ganhou no aniversário de 15 anos da melhor amiga ano passado" disse ele.
  "Como sabe?"
  "Está escrito. Aqui: Leila Cotto, 15 anos.  De sua melhor amiga para sempre, Raf... Está rasgado aqui o outro nome. Suponho que seja Rafaela, mas não dá pra saber".
  "Renato, eu sei o que você deve estar sentindo e o que você deve estar querendo, mas temos que ir para a prefeitura, temos que encontras as três irmas, ela saberá como tirar vocês dessa encrenca". Ele se levanta.
  Uma lágrima escorre do rosto de Renato, sua mão aperta forte a fita, seus lábios são pressionados um contra o outro, e sussurra algo. "Eu vou te salvar Leila, custe o que custar"

sábado, 7 de julho de 2012

11 - Destino


  Enquanto Esdras está saindo do seleiro, o casal de jovens vem em sua direção com sorrisos em seus rostos. Esdras está com o braço direito melecado por uma gosma esverdeada.
  "O que aconteceu aí dentro?" perguntou Renato, esticando o braço para pegar na meleca grudada em seu amigo.
  Rapidamente Esdras o advertiu."PARE! Não toque nisso. Ao menor contato, sua vida começará a fugir do seu corpo. Vocês dois, nem pensem em tocar nisso". "Mas como você pode tocar?" perguntou a garota. "Esqueceu que eu não sou humano? Quando um humano toca essa coisa, é como se sua alma fosse repelida do corpo. Eu já vi acontecer na minha frente, é horrível"
  Leila olha para dentro do seleiro e vê um homem gordo caído, envolto por aquele líquido. Ela leva sua mão à boca, está claramente espantada. "Foi com ele que aconteceu?" ela perguntou. "Não, essa gosma verde é o sangue desse cara. Ele é um Venator. Venator significa caçador. Eles são seres que são contratados para qualquer missão do tipo de assassinato, caça de pessoas ou de seres mágicos, coisas do tipo. São somente mercenários, quase prostitutos da morte. Quando entrei, haviam cinco, um deles eu matei. Eles possuem um tipo de codinome, pode se dizer que cada um é um desejo humano. Esse chama-se Fartura. O líder desse grupo atende pelo nome de Riqueza. Ele possui dois braços-direito: Poder e Força. E, antes que eu me esqueça, ainda tem mais um, chama-se Sabedoria. Temo que este seja o mais perigoso".
  Renato sente algo tocar de leve seu ombro, uma gota, talvez. Ele leva a mão e sente algo pegajoso e olha para cima, curioso. "Quem é ele?" diz, apontando para cima. "Uma vítima dos venatores. Não sei o nome dele, só sei que é um duende, e essa "gosma" transparente no seu ombro é o sangue dele. Pensei que eles vivessem apenas na irlanda. O que ele estaria fazendo aqui no Brasil?".
  Leila começa a tremer e a suar frio. O medo está fora de controle dentro dela. Isso está ficando muito assustador pra mim". "Não deixarei que toquem em você. Isso é uma promessa" diz Renato enquanto abraça-a fortemente.
  Estras tira de suas costas uma espada com a bainha e entrega ao jovem. "Toma! Se quer cumprir mesmo essa promessa, vai precisar. Agora, apressem-se porque temos que ir até a capital. Precisamos pegar uma condução até a Inglaterra".
  Ela fica curiosa. "Não não, Leila, não é estranho não. No mundo mágico, todas as prefeituras das capitais possuem um portal para o submundo. Ao atravessar, chega-se numa sala grande, onde as portas de todas as capitais do mundo se encontram. Assim, eu posso ir de São Paulo à Londres em um "passe de mágica" digamos".
  "Melhor a gente ir logo então, esse lugar me dá arrepios" diz a jovem puxando os dois pelo braço.

sábado, 30 de junho de 2012

10 - E foi debaixo de uma árvore...


  Do lado de fora, Renato e Leila observaram Esdras entrar no seleiro. De repente, um vento forte veio acompanhado de nuvens cinzas que cobriam o céu, e a porta do seleiro fechou bruscamente, fazendo um estrondo. "Rápido, suba na árvore" disse Renato. Leila não questionou e subiu com uma certa agilidade.
  "Mas e Esdras? Vai ficar tudo bem?". "Não se preocupe, eu o conheço desde quando eu me conheço por gente, ele sabe o que faz". E nisso, eles esperaram.
  Minutos se passaram, minutos tensos, até que leila decide quebrar o silêncio e, em meio ao assovio do vento e tanta timidez, pergunta: "Re-Renato... Me conte sobre você?". "O que quer saber?" "Tudo! Como conheceu o Esdras? Qual a história da sua vida? Quero saber mais sobre você".
  Renato, que está apoiado com as costas na árvore, apenas olha para cima, vê Leila nos galhos olhando-o com aqueles olhos castanhos brilhantes. "Bem, ele sempre esteve presente na minha vida", Renato olhou o horizonte e, com os olhos brilhando, continuou a contar. "Quando criança eu pensava que ele era meu pai, mas ele me contou que meus pais morreram num incêndio e que eu estava em casa. Uma viga caiu em cima deles e morreram na hora. Esdras diz que entrou só pra me salvar, pois sabia que meus pais não poderiam fazer nada. Ele disse que, quando olhei pra ele, comecei a rir. Sempre que estive com ele me sentia protegido, me sentia completo". E uma gota caiu na cabeça de Renato, ele deu de ombros e ignorou. Mal ele sabia que era Leila que estava emocionada com a história. "E cresci. Ele me ensinou a tocar instrumentos, a desenhar, ele foi um verdadeiro tutor. Nunca fui para a escola, ele que me ensinou tudo: Física, matemática, biologia, química, geografia... tudo mesmo".
  "E como você, com essas circunstâncias, sabia que duendes existem?" disse Leila enxugando os olhos com um dos braços. Renato olhou para ela, deu uma risadinha e abaixou a cabeça olhando para o horizonte novamente. "Pelo simples fato de que olhei a verdade nos seus olhos. Esdras me ensinou até isso. Eu conheço a linguagem corporal, consigo ver a verdade só de olhar nos olhos de alguém. Por isso eu nunca tive vontade de estar do lado de ninguém, sempre via maldade, falsidade, malícia nas pessoas. O incrível é que eu não vejo nada de ruim em você. Você é diferente das outras pessoas".
  Leila ri timidamente. "Esdras deve estar certo, deve ser obra do destino". Renato concorda.
  "E você, como foi que conseguiu se envolver nisso tudo?"
  Leila abaixou a cabeça e, com uma expressão de mágoa, começa a contar. "Bem, eu fugi de casa porque meu pai ele ficava bêbado a todo momento, e já que somos só nós dois, ele desconta toda a raiva dele em mim. Chegou uma ora que eu cansei e fugi, fugi para bem longe...". "Onde seu pai mora?" perguntou Renato. "Morávamos em São Paulo, aí eu fugi para cá. Peguei um ônibus e simplesmente, fui para o lugar mais longe que o meu dinheiro podia pagar. Mal sabia eu que ele é um bruxo ou alguma coisa do tipo. Aí ele mandou aquelas coisas atrás de mim. E corrento pela avenida, vi um portão aberto e entrei. Bati na porta desesperadamente e você a abriu. Bem, o resto você já sabe".
  Renato levantou a cabeça e seus olhares se encontraram. "Obrigada" disse Leila com uma voz suave enquanto lágrimas escorriam em seu rosto.
  De repente, uma luz iluminou o rosto da moça, e Renato olha para o seleiro e se levanta abrindo o sorriso. "Olha! Esdras saiu!". E os dois correm em direção dele.

sábado, 23 de junho de 2012

9 - Batalha

  Dentro do seleiro escuro, Esdras fica em posição de ataque. Uma voz estranha, em tom de zombaria surge do breu. "Ora, ora, ora... Se não é o "poderoso Esdras" com sua macheza imposta para nós". Do nada, doze tochas acendem, três em cada parede, iluminando o local. Esdras olha, imóvel, o ambiente desconfiado. À sua frente, cinco seres estranhos, parecem seres humanos, porém, o que chama a atenção são duas características. Sob os ternos pretos, via-se protuberâncias, doze, divididas igualmente em duas fileiras verticais e seus olhos azuis escuros, do mesmo tom das gravatas, pareciam ter um toque hipnotizador do modo que brilhavam, pareciam ser feitos de cristal.
  "Venatores" disse Esdras num sussurro abafado pelos dentes serrados de raiva, porém surpreso. E diz em voz alta "Então são vocês os responsáveis por aquela confusão na cidade". O som de sua voz ecoa pelas paredes, mas num curto espaço de tempo.
  O do meio, o mais alto e magro de todos respondeu com o queixo erguido e o peito estufado, responde com uma voz calma e suave "É claro! Quem mais faria?" e ri com a boca fechada, porém sorrindo. Esdras, com um olhar de raiva, pergunta o motivo. A reação foi inesperada. "Ha Ha Ha! Por qual outro caso seria?" disse o mesmo homem, "Vingança é claro" E vira apenas a cabeça para a direita, para ver os outros seres. Ele solta um sorriso. Em momento nenhum, as mãos deles saíram dos bolsos das calças. O que estavam escondendo?
  "E o que faz aqui, seu verme?" Disse aquele que é o mais baixo e gordo. Ele estava mais ao fundo e  à direita do homem mais magro. "Veio procurar encrenca?" Disse abrindo um sorriso curioso, como se estivesse zombando da situação.
  "Vim fazer justiça" falou Esdras em um tom determinado. E o gordo voltou a questionar sem desfazer o sorriso. "E como sabia que era a gente?". "Não sabia que eram vocês até o momento em que vi o duende enforcado no candelabro lá no teto" e todos olharam para cima.
  Em um movimento de braço sincronizado, todos posicionaram suas mãos direitas abertas próximas ao corpo. E, como num fade in, surgiu uma foice em cada mão. "Venha fazer justiça" tentou, o homem magro, Esdras. "Com prazer"
  E os olhos dourados de Esdras se encheram de um vermelho tipo sangue e caminhou em direção a eles. "Fartura, ele é seu" disse o maior homem para o menor. "Com prazer" ele respondeu. "Será uma batalha deliciosa". E correu para o ataque.
  No meio do caminho, quando Esdras começara a correr, o homem gordo some. Uma risada, provavelmente dele, toma conta do ambiente. As chamas das tochas movem-se no sentido horário. E sem tirar os olhos do homem da frente, levanta, em um movimento certeiro, sua espada. Esdras ensaia um sorriso, enquanto o homem alto arregala os olhos. Fartura estava com a espada fincada no meio de sua testa. O sangue verde escorreu pelo pulso até o cotovelo de seu assassino e começou a pingar, formando uma poça no chão. "Quem será o próximo, Riqueza? Mande-me o próximo a ser sacrificado". Agora é a vez de Esdras zombar enquanto abaixa a espada, derrubando o morto. Os quatro homens restantes retomaram a postura séria.
  Com um olhar um tanto... sedutor, Riqueza, o tal 'homem alto e magro', dá uma resposta rápida. "Essa batalha não é para ser feita num seleiro como este. Muito menos para um momento desse. Espere e terá a oportunidade de lutar pela sua vida. Se é que você terá chance. Ha Ha Ha Ha Ha!!!" E os quatro brilham numa luz branca forte somem no ar.
  Esdras sai do seleiro.

sábado, 16 de junho de 2012

8 - O seleiro

  Esdras, curioso, pede para que o casal fique atrás da árvore ao lado. A única árvore do próxima ao seleiro. Esdras, a passos curtos e lentos, precave-se de qualquer possível ataque. Curiosamente, ele retira, com cautela, uma espada das costas. Uma espada que estava escondida em seu sobretudo marrom. O punho, revestido com uma faixa branca, porém, com manchas de sangue. A guarda da espada tinha a forma de um dragão, o que parecia estar entrelaçando a lâmina, o cunho e as mãos do esgrimista. Com uma pegada firme à arma, Esdras olha fixamente para a escuridão. O suor frígido escorre de sua testa, percorre até sua bochecha e pinga de seu queixo. De repente, um vento gelado sopra vindo de dentro do recinto. Esdras se põe em posição de ataque.
  Segundos passam, mas ao olhar a cena, a impressão que tem-se é de que o tempo parou, até a respiração dos jovens se aquietaram.
  De repente, um cachorrinho, parece ser um filhote de labrador. Laila se derrete. "Que fofuxo!!". Ela se preparou para sair da proteção da árvore, mas num único movimento rústico de Renato, Leila é impedida. Ela aquieta-se quase que instantaneamente. "Ele sabe o que faz" diz o jovem. "Ele não baixou a guarda. Veja. Espere".

  Aos poucos, sem piscar, Esdras se aproxima do labrador, que faz uma carinha de dar dó.
  Agora, a centímetros do animal, Esdras suga o ar. Suas narinas se abrem, e antes que pudesse liberar o ar de seus pulmões, um golpe certeiro. Num rápido movimento de braço, o cão é cortado com uma precisão cirúrgica. Ele foi dividido em duas partes iguais. Os intestinos ainda se movem, mesmo após serem esparramados no chão. O sangue jorrado mancha a grama, a espada e a roupa de seu assassino. E uma lágrima cai lentamente até o chão. Era de Leila.
  Num berro, Esdras chama seu velho amigo. "Renato! Você ainda anda com o seu isqueiro?". Renato se agita, mexendo nos bolsos a procura do objeto. Acha rapidamente e lança para Esdras. "Toma!"
  O homem agarra. Observa o objeto e logo joga no chão. "Não esse isqueiro. Aquele. Você sabe de qual eu estou falando. Depressa!!". Renato entende. Abaixa-se e retira, do solado de seu coturno, um objeto retangular de dourado. Era aquele isqueiro.
  "Achei. Tomara que funcione!" e ele lança para Esdras, que pega e se prepara, ainda com a espada em posição de defesa. Pronto para acender, ele dá passos curtos em direção ao seleiro de madeira úmida e sussurra ao vento "E é bom que funcione mesmo".
  A poucos metros da porta entreaberta da construção, Esdras acende o isqueiro, que lança uma pequena labareda. Poucos centímetros, mas com uma luz muito forte. E ele entra. Não passou nem mesmo um segundo lá dentro quando a porta se fechou com força. E o som era como o de um trovão quase abafado.
  Como se fosse magia, o céu azul foi tomado por nuvens negras, o assovio agudo do vento toma conta do ambiente. Os cabelos de Renato e de Leila agitam-se. Ele mantém-se imóvel mesmo tendo o seu cabelo relativamente longo na cara, mas ela tenta segurar seu cabelo que cobre-lhe os olhos. "O que...?". Leila não entende o que acontece. Renato percebe a curiosidade da jovem e fala com uma voz calma. "Problemas estão por vir. Acho melhor você subir na árvore, estará mais segura lá".