sábado, 24 de novembro de 2012

31 - A chuva anuncia a chegada de uma nova era

  A tarde se passou. Eles almoçaram, ficaram conversando e conversando e conversando... Até que, em um dado momento, a chuva veio.
  "Você me ajuda a fechar as janelas?" Disse Renato à Leila.
  "Claro!"
  Após o todas as janelas serem fechadas, eles sentaram no sofá e, com uma expressão de preocupação, Leila não se conteve. "Como eu vou voltar para casa agora? Meu pai vai me matar".
  Renato está preocupado com ela. "Não tem como você pedir para que ele te busque ou de você ir de ônibus?"
  "Não. O carro do meu pai está quebrado, não tem como ele vir aqui hoje, e não tem ônibus que passa perto de casa, sem contar que, o que vai para lá, o próximo só passa depois das dez horas da noite, e nesse horário é muito perigoso lá".
  "Entendo. Olha, pode dormir aqui comigo, se preferir. Você pode ficar na minha cama. Eu durmo no sofá sem nenhum problema".
  "Sério mesmo?" Leila sorri. "Então é melhor eu ligar para o meu pai para avisar, se não ele me mata. Licença..." E ela se levanta com o celular em mãos, procurando o número para poder ligar.
  Renato está sozinho na sala. "Sozinho". Não, Esdras está com ele. Ele sempre está.
  "Não acha que a sua situação está..."
  "Cala a boca. Não é o que está pensando. Não quero nada com ela, não aqui, não agora. Apenas queria lhe dar abrigo, um lugar para dormir, afinal, está chovendo, e mesmo que pare, ela disse que o próximo ônibus que vai para o lado da casa dela só passa depois das dez da noite, o que é muito perigoso. Não posso fazer isso com ela".
  "Eu sei disso, mas parece que você está se aproveitando da situação".
  "Não é nada disso. Já está falando besteira".
  "Ah! Ele entendeu a minha situação. A menos que eu chegue em casa amanhã depois da aula, não terei problema algum. Obrigada, Renato". Disse Leila enquanto voltava.
  "Fico feliz"

sábado, 17 de novembro de 2012

30 - São águas passadas, mas isso ainda me assombra

  O ano é 1980. A cidade ainda é São Paulo. Renato é novato no colégio. Quieto e sem tentar começar qualquer amizade sequer, ele apenas observa, analisa o ambiente quase selvagem. As patricinhas fazem rodinhas e mais rodinhas de fofocas, os caras "legais" conversam e zoam, mas colocam qualquer assunto obsceno nas palavras, típicas de garotos de 12 anos no começo de sua puberdade. Realmente são espécimes interessantes. O resto das crianças correm e brincam normalmente. No meio delas, uma garota. Normal, comum, cabelos castanhos pouco ondulados, olhos também castanhos, pele branca, mas não muito clara, e cheio de vida. Corre muito, mas não dá sinais de cansaço.
  Desde essa época, Renato vive sozinho, excluído por opção. Vem sozinho, vai sozinho.
  Um dia, essa garotinha o viu, viu que ele estava sonhinho e foi falar com ele.
  "Oi!!"
  "Olá"
  "O meu nome é Leila, e o seu?"
  "O meu? Renato"
  "Por que está tão sozinho aqui? Vem brincar com a gente!"
  "Não, obrigado pelo convite, mas não gosto muito de brincadeiras"
  Ela estranhou. "Um garoto de doze anos que não gosta de brincadeiras?"
  Pode parecer estranho, mas é a mais pura verdade. Renato não gostava de brincadeiras, não por que não podia, mas por que não queria mesmo. Preferia ficar apenas observando as pessoas, esses animais.
  "Bem..." Disse Leila, se levantando. "Eu vou voltar a brincar. Se quiser vir comigo, estarei te esperando lá, viu? Tchau! Gostei de conversar com você!"
  "Tchau. Eu acho que também gostei". E ela se foi.
  Desde esse momento, Renato apenas ficava olhando para ela, de longe, apenas pensando.
  E o tempo passou. Foi-se um ano, e mais um, até que, com catorze anos, começou a desenhar, e a desenhar muito bem. Passava quase o dia todo desenhando. Sentava na mureta do pátio para ficar observando Leila. Observava e fazia uns rabiscos no caderninho velho que ganhara de seu tio no último natal. Ele apenas desenhava, fazia esboços dela sentada, em pé, correndo, rindo, conversando... vivendo.
  Seria isso, meu caro leitor, uma paixonite? O famoso "primeiro amor juvenil"? Pode ser. Não só pode como é. É? Só pode ser. Não há outra possibilidade se não esta.
  E foi assim no ano de 82 inteiro. Mas a ausência do contato direto fez com que um esquecesse do outro. Não esquecer mesmo por completo, mas faz parecer que nunca chegaram a se conhecer. Ele fica olhando para a multidão, enquanto ela está ocupada demais com os amigos. Ao menos, isso é o que pode ser visto por qualquer um.
  Mas todos os dias, ele vai embora sozinho e ela com o pai. E todo dia ele chega sozinho e ela com o pai. E todo dia ele fica sozinho e ela com os amigos. E todos os dias ele a desenha, e os desenhos são aprimorados, ficam mais caprichados e bem feitos.
  E assim foi indo. Ele tinha um sentimento especial por ela, mesmo ela não sabendo de nada. Vivia preocupado com ela, via se ela estava se alimentando direito (ao menos no colégio), se estava realmente feliz e tudo mais. Ele se preocupava realmente com ela, com cada detalhe, mas nada pudia fazer, estavam muito longe um do outro, mesmo estando no mesmo colégio, e o pior, na mesma turma, mas o que realmente impedia eram as amizades, amigos "ciumentos" que faziam de tudo para manter a mesma turminha por tempos e tempos e tempos. Isso era o que preocupava Renato. Ele via que as amizades dela não estavam certas, via que o conceito de amigo não era totalmente aplicado naquela atmosfera, mas ele nada pudia fazer, era apenas mais um, era apenas um ninguém.

  "Entendeu, Esdras, tudo o que eu passo? Foi assim que eu sempre vivi, não posso perder essa oportunidade. Se continuar tudo igual, tudo bem, já estou acostumado, mas se mudar tudo, que seja para melhor, se não for, aí eu não tenho mais motivos para viver".

sábado, 10 de novembro de 2012

29 - Um pouco de mim é tudo o que precisa saber

  Sentados no sofá, calados. Ela já está com os pés descalços sobre o tapete felpudo, mexendo os dedos para relaxar. O lugar não é muito requintado, é só uma quitinete. Um quarto, uma sala, um banheiro e uma cozinha. Mesmo assim, Renato conseguiu deixar o apartamento espaçoso.
  Minutos de silêncio se passavam. Nem mesmo os carros eram percebidos por eles. Leila meche as mãos, aperta os lábios, parece escolher cada palavra cuidadosamente cada palavra que, por ela, poderá ser dito. Ela olha em volta, ele se levanta, vai em direção à cozinha. Após ele ter atravessado a sala, ela fala, como num reflexo. "Você desenha!". Ele apenas vira a cabeça e, com um leve e discreto sorriso, afirma com a cabeça.
  Sem sair do lugar, pergunta se ela aceitaria ver os desenhos. Ela se animou, sorriu e agitou a cabeça afirmando de modo exagerado. Renato entra no quarto e, poucos segundos depois, já está de volta com os desenhos. Ele entrega os papéis e vai em direção à cozinha. "Aproveite os desenhos e divirta-se, eu vou fazer um almoço rápido para nós dois".
  Todos os desenhos estavam com escritas em cima, como se fossem títulos, legendas, denominações deles. Leila foi vendo e apreciando cada detalhe na ponta do lápis com admiração. Os olhos brilham. E foi passando um por um, demorando para ver, apreciando cada detalhe, cada sutileza no traço. Londres; Gnomos; Ela [detalhe: a palavra "Ela" está escrito de forma mais sofisticada do que as demais]; Venatores; Bruxo; Fada; Esdras; Renato; Elfo; Encontro; Reencontro;
  Leila fica sem palavras, boquiaberta e admirada com o talento dele. O que mais chamou atenção, foi o desenho cujo estava escrito Ela. Parece que era o desenho mais trabalhado, o que ele teve mais trabalho e prazer ao fazê-lo, uma imagem desenhada não só com os pulsos e dedos, mas com o coração, o coração na ponta do lápis. Porém, apesar de ter três desenhos d'Ela, não havia nenhum que possuía um rosto, no máximo, mostrava um pouco do nariz e da boca, mas nada a mais. Porém, mesmo assim, ela ainda sentia algo, achava que o desenho lembrava ela.
  Enquanto isso, na cozinha, Renato preparava o almoço bem lentamente. Estava pensando. Ou melhor, conversando com Esdras.
  "Não tem problema ela estar olhando os seus desenhos? Afinal, ela está em alguns deles. você não acha que ela poderia pensar que você a desenhou?"
  "Mas essa não é a verdade?"
  "Sim, mas não por isso, mas... achava que você preferiria manter isso em segredo por um tempo"
  Renato para o que está fazendo e se apoia na pia. Uma respiração profunda veio. Ele pensou, e como pensou. "É, eu também achava...". Ele fecha os olhos e começa a lembrar-se do seu passado.

sábado, 3 de novembro de 2012

28 - O passado machuca


  Já fora do ônibus, Renato acompanha Leila até o apartamento dele. "Se não importa de subir escadas...". Ela só ri. Ri um riso tão doce quanto o mel e tão suave como uma brisa de verão. E subiram. Foram conversando, rindo. Até parece que ele faz de tudo só para ouvir mais uma vez aquele riso, ouvir novamente aquela voz. Bem, não só parece como está na cara, mas ele não se toca. Ao chegarem ao terceiro andar, Renato para. Há três portas: uma à sua frente, uma à sua direita e outra à esquerda. "Chegamos. Apartamento 32. Vamos, entre!" Ele pega as chaves do bolso e abre a porta para ela, deixando-a entrar primeiro, como se fosse um perfeito cavalheiro. Porém, ele não entra.
  "Tem certeza que é uma boa ideia? Afinal você é um adolescente que mora sozinho e está com uma garota, que parece muito estar gostando de você na sua sala". Esse é o Esdras, sempre duvidando de algumas ações de Renato, mesmo ele sendo apenas um fruto da imaginação dele. Esdras está parado atras de Renato, mas ele nem se vira para responder. "Não se preocupe" e entrou. Esdras só olhou.
  Ela está em pé no meio da sala, meio tímida, afinal ela é visita na casa de alguém que acabara de conhecer. "Sente-se! Pode ficar à vontade, por a mochila no sofá, tirar os tênis, não se preocupe com a 'etiqueta'. E me desculpe pela bagunça, viu? É que eu quase não me preocupo com a casa, mas eu faço uma pequena faxina de vez em quando, isso é, uma vez por semana, mas esqueci de fazê-la ontem". Ela riu, e ele adorou e achou graça também.
  "Não se preocupe com isso, as vezes o meu quarto fica pior em menos tempo. Mas... desculpa perguntar... você mora sozinho?"
  "Sim. Desde os meus dez anos, quando os meus pais morreram em um acidente... foi um incêndio na casa de uns amigos dos meus pais, eu estava junto, mas consegui sair vivo, diferente deles..." ficou alguns segundos aquele silêncio macabro. "Desde então o meu tio que me sustenta. Parece que ele é o único parente que me restou, só que ele mora na Alemanha e é impossível ele ficar aqui comigo e eu lá com ele. Tive uma babá por quase três anos aqui. Ele paga todas as contas e coloca um dinheirinho para emergências e lazeres para uma conta que ele criou para mim".
  "Sinto muito pelos seus pais".
  "Obrigado".
  E o silêncio novamente toma conta do lugar. Um silêncio melancólico.
  "Desculpa... é que... sei lá..." Renato não consegue nem ao menos terminar uma frase e solta um grito. "Aah!!! Esquece. O que quer fazer?"
  Ela dá de ombros e ri!