sexta-feira, 23 de maio de 2014

Momentos tristes sem ela - Parte Nove*

  Boa tarde. Como foi a sua semana?

  Entendo...
  Bem, como o prometido, lhe direi como foram os meus dias aqui nesse inferno na terra. Acomode-se bem.

  Cheguei aqui e rapidamente me adaptei. O meu companheiro de cela é um cara legal. Tatuador que foi preso devido ao envolvimento dele no mundo das drogas. Mexia com maconha, LSD e lança-perfume. Muito educado ainda por cima. Fiz amizade também com um grupo de detentos que nunca se envolvem em confusão. Alguns são pais de família que tentaram roubar um pouco para levar alguma coisa para alimentar filhos, filhas, esposa... Um crime que não devia levar à prisão. Acredito eu que pessoas assim deviam receber algo como uma cesta básica ou sei lá. São pessoas que foram levadas ao mundo do crime devido à nossa sociedade.
  Mas enfim, não vim falar de política ou sociologia. Continuemos.
  Passei a escrever dia sim dia não para a minha amada Jade. Contava a ela que sentia a sua falta e de como estava sendo os meus dias na prisão. Infelizmente não recebia carta alguma.
  Certo dia eu recebi. Uma carta num envelope velho e amarelado que nele continha uma pequena carta em um papel de caderno amassado. Nele estava escrito a minha condenação. A condenação da minha alma. Pra você pode não fazer sentido algum, mas em mim bateu um forte sentimento de desprezo. Na carta estava escrito apenas "Desculpe-me, por favor". Sabia que, depois de tudo, ela não iria querer ficar comigo. Encontrou outra pessoa, outro homem que saiba amá-la como eu nunca soube. Alguém que a deseja mais do que eu desejei. Alguém que a faça feliz. Só pode.
  Depois disso, entrei em depressão. Não comia direito, não dormia, nem sequer chorava, apesar de tudo. Ficava apenas olhando fixo para o nada, imóvel sem esboçar alguma reação. Meses se passaram e nenhuma melhora. Perdi muito peso, desidratei, adoeci e até tentei me matar. Me cortei, me enforquei e até arranjava brigas sem motivos na esperança de que algum brutamonte aqui me matasse na porrada. Infelizmente eu sempre fui um ótimo boxeador.
  Comecei a fumar e fiz algumas tatuagens aqui na prisão. Foram dias horríveis, um verdadeiro inferno onde os demônios tinham forma de pessoas que conviviam e interagiam comigo normalmente. Eu virei um deles. Ninguém nunca soube realmente quem eu sou. Eu não sou ninguém. Sou todos os homens também. Sou o seu vizinho. Seu pai e seu filho. Um desconhecido, talvez. Sou trabalhador, sou vagabundo. Milionário e miserável. Sou homem, mulher, criança. Esposa, filha, irmã, sou o que quiser que eu seja. Anjo e demônio. A verdade mesmo é que EU SOU VOCÊ!
  

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Momentos tristes sem ela - Parte oito

  Boa tarde. Desculpe pela semana passada. Os guardas aqui andam muito tensos ultimamente. O clima está pesado. Não sei até quando ficará assim. Acho que, futuramente irá ter uma confusão generalizada aqui. Não sei. Espero, sinceramente, que não, mas se houver, espero que seja depois que eu for embora. Graças a Deus que será mês que vem já. Esse pesadelo finalmente chegará o fim. Quem sabe eu escreva um livro sobre tudo que passei aqui. Mas enfim, vamos ao que interessa.

  Quando acordei e vi a minha amada em minha frente com o chapéu, fiquei feliz. Mas depois que ela tirou-o, algo em mim mudou. Fiquei estupefato com o que vira. Metade do seu belo e perfeito rosto estava desfigurado, cheio de hematomas e de cortes. O que havia acontecido com ela?
  De repente me veio um lampejo. Depois que me toquei de tudo que havia acontecido eu percebi que a desgraça que havia acontecido com ela era culpa minha. O acidente que eu causei foi com o carro que ela estava e o pior, acertei em cheio a porta onde ela estava. O vidro cortou-lhe o rosto em várias partes, a cabeça dela havia batido no meu para-choque, deixando um pouco de sangue por sobre o capô. Antes de ela perceber o que havia ocorrido, o seu corpo já havia sofrido com os meus pecados. Inconsciente, acordou ainda presa pelo cinto no banco do carro que estava de lado devido à batida.
  Confusa e desorientada, tentava gritar, pedir por ajuda, mas a sua voz não saía. Até que, por entre as ferragens da porta vira uma luz aparecer e aumentar de tamanho e intensidade. Era os bombeiros que estavam abrindo a porta para socorre-la do acidente. Ao sair, ela me conta, que me viu ali, parado e imóvel olhando para o nada como em um estado de choque. O que chamou atenção, de acordo com ela, fora um único corte na testa, um filete de sangue que escorria o meu rosto pálido como a lua. Se um fantasma pudesse sangrar, seria algo como eu.
  Acordou no hospital algumas horas antes de mim. Apesar da gravidade do acidente, não se passava de pequenos arranhões no lado esquerdo de seu rosto e em seu braço. Veio me ver assim que recebera alta.
  Depois de me contar tudo, Jade apenas abaixou a cabeça enquanto eu, olhando para o cima, comecei a chorar. Os policiais entraram calmos, porém decididos, e me falaram da minha situação. Disseram que eu estava preso por dirigir embriagado. Não neguei. Disseram que, assim que tomar alta, serei levado sob custódia (acho que foi isso que disse. Não lembro bem o termo que ele usou). Disse que estava tudo bem, mas queria, antes de ser levado, me despedir da minha noiva. Um dos policiais, o mais gordo, fez sinal de positivo com a cabeça e saiu com uma das mãos nos bolsos. Jade sentou ao meu lado e, sem dizermos uma única palavra um ao outro, ela ficou comigo por algumas horas.
  Em momento algum ela soltou a minha mão. Sabia que ela não me odiava pelo que fiz. Sabia que não fiz por mal. Apenas cometi um erro e, por azar, acabei por feri-la.
  O médico veio, então, me dizer que eu já estava liberado. Já estava sem soro algum, apenas deitado na cama esperando o médico e os policiais que me levariam. Sentei na cama e fiquei ali pensando alguns instantes. Enquanto isso, Jade colocou em meu dedo a aliança que seria dada a mim naquele dia e me deu a outra. Olhei para ela, que me deu um sorriso meio tímido. Sabia que ela me amava, apensar de tudo. Retribuí o sorriso e coloquei o anel em sua mão esquerda, assim como ela havia feito. Ela segurou com as suas mãos a minha com força e beijou-me. Levantou e saiu.
  Os policiais vieram e começaram a falar comigo, mas eu só pude reparar que, ao sair, a minha amada estava apertando forte o punho. Devia estar chorando. A única coisa que lhe disse, antes de ir embora foi "Me desculpe". Ela? Além de me contar a sua versão, nada me disse.
  Quando voltei ao mundo real, percebi que um dos policiais estava dizendo o que seria de mim e já estava, segurando as algemas, me pedindo para que eu o acompanhasse.
  -Senhor, não precisa das algemas, eu não irei resistir. Sei do erro que cometi e das consequências. Sei que devo pagar e irei pagar sem negar. Acompanharei vocês com prazer - Disse eu ao policial, que guardou as algemas pouco tempo depois que partimos à viatura.

  Semana que vem, te contarei como foram os meus dias aqui. Até lá, cuide-se e não faça nenhuma bobagem.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Momentos tristes sem ela - Parte Sete

  Boa noite. Ainda por aqui? Achei que não viria mais. Bem... Ainda quer saber da minha vida?
  Está bem. Vamos lá. Continuarei no dia seguinte... O do meu casamento.

  Devo ter acordado umas quatro, cinco vezes. Talvez mais. Não por nervosismo, mas por medo. Medo de algo que estava ao meu redor. Devem ser os meus demônios me parabenizando pela minha conquista. De manhã, cansei de tentar dormir e fui para a cozinha. O relógio sobre a mesa marcava 6:15 e eu lá, olhando para uma xícara de café sem saber o que fazer, sem saber o que dizer para a minha amada quando ela acordar.
  Nada vinha na minha mente. Duas horas depois ela desce. Curiosa por eu não estar na cama.
  -Me desculpe por ontem a noite - Disse eu.
  -Tudo bem. Eu te entendo. Andei pensando nessa noite sobre isso que nem dormi direito. Acho que não agi certo quando você chegou e estranhou a presença dele. Apesar de tudo, não dei muita bola pra ele. Então não se preocupe.
  Fiquei quieto.
  Logo depois, decidi sair. Dar uma volta na rua. Minha mente voava. Pensava se era o certo a ser feito. Se devia mesmo me casar. Olhei meu relógio, e ele me avisa que são 11:37. Às 17 irei subir ao altar e selarei a minha decisão. Seria essa a tão falada "Depressão pré-nupcial"? Não gostei. Percebi que andei tanto que acabei por voltar para a praça em frente à minha casa. Devia ter parado aí. Não, eu tinha que duvidar. Eu tinha que não voltar.
  Cheguei em casa meia hora antes de me casar. Fui ao bar que tenho em casa e preparei algo para mim. Algo forte. Não devia, mas fiz. Bebia enquanto me arrumava para a cerimônia. Até ficar pronto, foram vinte minutos e dois copos de algo que inventei na ora. Algo com tequila, curaçau, licor e suco de morango. Até que estava gostoso, mas é chegado a hora de ir. Afinal, tinha que me casar. O que seria de uma cerimônia sem alguns minutos atrasados.
  Decidi ir dirigindo. "Cinco minutos de carro não mata ninguém", eu pensei. Peguei as minhas chaves, entrei no carro, dei a partida, engatei a primeira e saí normalmente. Três quarteirões depois a minha vida mudou. Bati o meu esportivo na lateral de um carro que, até hoje, eu não sei qual é. Os danos não pareciam grandes, e não seria grande coisa se, naquele carro, não estivesse a minha linda noiva. Oh! Jade, me perdoe. Pelo amor de Deus, me perdoe. [Estou chorando].
  
[pouco tempo depois...]

  Bem, onde estava?
  Ah sim. Não me lembro de nada mais depois do acidente. A última coisa que me lembro era da minha pasta voando à minha direita e estourando o vidro. Já esteve em um acidente assim? Não é legal. Interessante, mas não legal. Parece que tudo fica em câmera lenta, você fica imóvel a mercê da inércia e fica vendo coisas e estilhaços voando à sua frente. Agoniante, eu diria.
  Acordei alguns instantes depois. Minha perna estava sangrando, mas nada de dor. Não senti nada. Olhei confuso ao meu redor, escutando apenas um zumbido e nada mais. Mesmo com a visão embaçada, eu decidi sair e ver o que realmente havia acontecido. O outro carro já fora guinchado para fora do local. Havia duas ambulâncias. Minha visão estava embaçada, mas via uma grande cruz vermelha num carro branco. Três viaturas de polícia e muitas, mas muitas pessoas ao redor. O que havia acontecido comigo? Não fazia ideia da gravidade da situação.
  Dois homens vieram me socorrer com uma maca pedindo, aparentemente, para que eu sentasse ou deitasse. Estava confuso ainda. O álcool ainda estava fazendo efeito no meu corpo. Me sentia meio tonto já quando perdi a consciência.
  Depois de algum tempo, não faço ideia quanto, acordei num hospital, onde haviam policiais ao meu redor. Horas deviam ter se passado, já não sentia mais o álcool em meu corpo. O zumbido se fora e a visão já estava clara. Seringas, soros, curativos e talas era, basicamente, tudo o que via em mim. Uma enfermeira veio ao meu encontro, devia ter visto que acordara. Não entendi o que disse, mas ela me respondia "Jade? Não sei. Não está aqui".
  Ao longe, vi três policiais e um médico conversando em particular. Olhavam muito para mim. Só poderiam estar falando de mim.
  Não devia ser coisa boa.
  Não era coisa boa.
  Atrás deles, vi uma mulher passando pela porta e vindo para a UTI, onde eu estava. Usava um chapéu elegante, óculos e lenço sobre o pescoço. Não identifiquei quem era até que.... Até que tirasse os óculos escuros. Jade.
  -Está tudo bem, amor?
  -Não sei ao certo. Meu corpo inteiro está meio que formigando, mas estou bem. Não estou sentindo dor. Estava preocupado com você. Perguntei aqui e ninguém sabia de você. Achei que estivesse naquele carro e, Deus me livre, tivesse morrido. Me aliviou agora. Você não tem ideia da alegria que você me trouxe agora.
  Ela abaixa a cabeça, fazendo com que a aba do chapéu cobrisse seus olhos. -Bem, amor.... Quanto a isso...
  A Jade tirou o chapéu e olhou para mim.
  Ela...
  
  Ela...

  [Sirene]
  [Guarda: Vamos, vagabundos, para as suas celas!!]

  Desculpa.... Semana que vem eu conto. [O Guarda me puxa pelo braço. Ainda gritando no meu ouvido. Cara chato]

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Momentos tristes sem ela - Parte Seis

  Vamos acabar logo com isso. Fui diagnosticado louco depois do ocorrido da semana passada. Desde então tenho ficado na minha cela, riscando a parede com um pedaço de concreto quebrado que achei no chão. Risco coisas como nomes, rostos e imagens sem forma. Escrevo sempre o mesmo nome, desenho sempre o mesmo nome. Vivo rodeado pela Jade. Ah, se Deus permitisse que voltasse eu ao passado para poder ver seu belo rosto novamente... Mas Deus não vive em lugares como este daqui. Aqui só existe demônios, e em mim vive uma legião deles.

  Pois bem. Voltei naquela noite para casa. Torcia para que ela já estivesse melhor, que estivesse descansando para o grande dia que estava por vir. Estava por girar a chave quando ouço vozes. Imaginei o pior. Mas logo deixei as minhas loucuras de lado e entrei. Gritei pela minha noiva. Ela me respondeu que estava na cozinha. Tirei a minha jaqueta, deixei sobre o sofá e fui para o encontro de minha amada. Ao chegar lá, ela estava sentada à mesa junto de um homem.
  -Amor, este é Robson. Um velho... Amigo. Vivia duas ruas acima da minha. Nos conhecemos quando tínhamos 15 anos. - Disse-me ela, me apresentando ao jovem à minha direita.
  -Eu tinha 15, jade... Você ainda estava nos 13. Foi poucos dias antes do seu 14° aniversário. - Disse ele corrigindo Jade. Logo depois direcionou a palavra à mim, estendendo sua mão para um cumprimento amigável. - Prazer em conhecer o noivo da Jade. Éramos praticamente irmão. Poderia dizer até que somos ainda.
  Não gostei dele. Simpático? Modesto? Sim. Mas há algo nele que não gostei. Porém, fingi que estava tudo bem, tudo feliz e me retirei. Peguei a minha jaqueta na sala e fui para o quarto, deixando os dois... A sós. Não gosto dessa ideia de "deixá-los a sós". Parece que o intruso era eu. Talvez fosse, afinal, ele é o ex namorado dela. Fazia 5 anos que não tinham mais nada, mas ele estava lá. Não podia ficar despreocupado.
  Desci bem devagar, sem fazer um som. Não ouvi muito, mas ouvi o bastante. Primeiro, a voz dele. "Eu sei, mas eu queria saber se você está bem. Eu andei sabendo e me preocupei. Sempre me preocupei. Quando soube do seu pai... Fiquei te procurando para saber se precisava de algo, nem que fosse um simples abraço. Eu queria estar junto de você para te reconfortar".
  "Depois do meu pai eu fugi. Vim para cá e ele me reconfortou. Me deu um lar. Me deu amor. Me trouxe de volta à vida".
  "Compreendo. Fico feliz de verdade por você. Bem, eu já vou indo. Acho que não fui muito... Bem-vindo aqui. Adeus. Qualquer coisa, sabe o meu número. Pode me chamar sempre que precisar".
  Ele saiu, quase esbarrou em mim, desculpou-se e foi embora. Eu olhei para ela e ficamos em silêncio. Ela subiu e me deixou sozinho na cozinha. Imóvel e sem saber o que fazer. Me senti culpado por algo, mas não sabia o que.

  Volte semana que vem. Não tenho mais nada a lhe dizer.

  Tá esperando o que?