Gustavo entrou no seu carro e, antes que saísse, Rebeca entrou sem dizer uma única palavra.
- Rebeca, sai.
- Não - Ela foi firme.
- Rebeca, por favor, saia.
- Não, Gustavo, eu não vou sair. Eu não vou deixar você fazer nenhuma besteira. Eu não vou deixar você sozinho, principalmente nesse momento que você está sofrendo!
- Eu não estou sofrendo....
- Está sim! - Disse ela com um leve grito interrompendo-o - Você está lembrando do seu pai, está sentindo a dor pela falta dele. Isso é normal, eu sei. Você está muito triste e eu to aqui com você. Eu te amo, e não vou te deixar no momento que você mais precisa.
- Eu só quero estar sozinho.
- Então vou ficar sozinha com você. Eu não vou sair desse carro, e se você sair, vou atrás você. Não vou te abandonar.
Gustavo ficou encarando o horizonte com as mãos no volante ao som do motor de seu carro. Ficou pensativo por algum tempo naquele silencio de palavras. Fechou os olhos, abaixou a cabeça e deu um leve suspiro apertando o volante com as mãos. - Está bem. Você vai comigo - Ele respondeu saindo calmamente com o carro.
Dirigiu por quase vinte minutos sem rumo, virando aleatoriamente até, por fim, parar na sua casa. Ela foi atrás dele. Entraram. Ela ficou em pé atrás dele, enquanto ele pegava algo no fundo do armário do quarto dele. Deixou sobre a mesa uma garrava de Jack Daniel's, deixou sobre a mesa da cozinha e pegou dois copos pequenos. Rebeca estava parada na frente dele do outro lado da mesa com os braços cruzados e olhando fixo para ele. - Eu não vou beber - Ele deu de ombros e começou a tomar. Uma, duas, três doses. Quando pensou na quarta dose, ele ficou encarando a garrafa, e apenas ouviu uma voz feminina. - Não. Vamos voltar. Ele a obedeceu. Fechou a garrafa e deixou tudo lá sobre a mesa mesmo. O efeito o uísque não lhe subira à cabeça. Ficaram quase duas horas lá antes de partirem de volta.
Voltaram, por fim, para a casa dela. Gus saiu do carro e, antes que ele fechasse a porta, ela saiu, deu a volta no carro e parou bem na sua frente. Ele então colocou-a de costas para o carro e abraçou com força, como se era para ter certeza que ela não escaparia. Ela retribuiu, sentindo o perfume delicioso dele. O perfume que ela tanto amava. Enquanto ela respirava fundo para sentir o cheiro dele, ele sussurrava no ouvido dela "obrigado".
Gustavo estava chorando. Ficaram um minuto, talvez dois lá, parados ao lado do Camaro em frente à casa de Rebeca e sua prima, abraçados. Gustavo estava lembrando de toda a cena que se passava:
Era numa quarta-feira. Por volta das 15 horas daquele dia que era um dos dias iniciais do mês de outubro, Gustavo estava trabalhando, terminando uma matéria quando recebeu uma ligação. Era do seu pai.
- Hey Guga! - O ânimo, a alegria e êxtase era facilmente percebido pela voz radiante de seu pai.
- Olá pai! Está tudo bem com você?
- Está tudo ótimo. Melhor impossível. Tenho uma coisa para te contar!
- E o que seria? - Disse, sério e concentrado no seu trabalho, como se estivesse louco pelo fim da ligação.
No fundo do telefone, Gustavo escutava um ronco forte de motor. A expressão dele mudou completamente ao escutar aquele ronco. Uma alegria arrebatadora lhe subia pelo corpo. - E-esse é o Corvete? - disse ele gaguejando, como se não acreditasse.
- Sim - Disse o pai dele, pisando no acelerador novamente fazendo o motor rugir novamente.
- Não estou acreditando. E ele está funcionando tudo certo?
- Ainda não sei. Ele ligou e, pelo som, está impecável. Quero dar uma volta inaugurativa com ele, e achei que gostaria de vir comigo.
Gustavo ficou extasiado. - Estarei aí em 15 minutos.
- Estarei te esperando - disse o pai dele rindo, antes de desligar o telefone.
Antes de dar quinze minutos, Gustavo chegara na casa de seu pai que lhe esperava sentado naquele Corvete 94' amarelo com detalhes pretos. Gustavo ficou boquiaberto ao ver o carro que estava como novo, enquanto lhe via à mente as imagens de quando aquele mesmo carro havia chegado na garagem do pai. O carro estava quase todo enferrujado, com a pintura descascando, um motor pelas metades, bancos rasgados e mofados, faltando uma roda além do estepe... Normalmente, as pessoas diriam que não tinha jeito de arrumar aquele carro, que não deveria ter saído do ferro-velho, mas o pai do Gustavo não era comum, via conserto e ainda por cima fazia acontecer. Parecia um dom que ele tinha.
Após toda admiração, saíram para dar uma volta, para sentir como havia ficado os reparos. Freava bruscamente, chegando a assustar Gus, só para "testar" os freios (que estavam funcionando muito bem, aliás), rindo da cara que seu filho fazia. Virava de um lado para o outro da rua, estavam brincando com o carro.
Pai e filho se divertindo muito como deveria ser. Até que, num cruzamento, pararam no sinal vermelho, sem parar de rir. Gustavo olhou para o seu pai e, mudando sua expressão de alegria para surpreso, medo, ele via um carro que estava tentando fazer a curva, mas que perdera a tração traseira e estava vindo sem controle. Ele olhou o terror nos olhos do motorista instantes antes do acidente. O seu pai nada vira, estava distraído olhando para o filho e rindo.
Quando aconteceu, o Honda estava vindo cerca de 60 Km/h no instante que bateu. Acertou em cheio a porta do lado de seu pai, acarretando-lhe uma fratura de 3 costelas. Chegando no hospital, descobriram que havia, também, perfurado o pulmão. Gustavo estava inconsolável e extremamente abatido. Via o seu pai, com 62, no hospital, enfaixado e imobilizado, torcendo pelo melhor. Ficou três dias naquele quarto. Mal comia ou bebia algo, não conseguia dormir. Ficava sentado na cadeira olhando o seu pai em coma induzido e torcendo pelo melhor. Infelizmente, o seu pai não resistiu e veio a falecer. O motorista do outro carro também fora para o hospital devido a uma batida violenta da cabeça com o volante. Cortou a testa, uma leve fratura no nariz e uma pequena rachadura no crânio, mas não houve mais notícias dele.
Rebeca até ficou com Gustavo no hospital, mas era como se ela não estivesse lá. Gustavo nem sequer falava ou olhava para ela. Ficava apenas sentado na poltrona ao lado da cama de seu pai, o olhando fixo. Apesar de tudo, fora essencial para ele a presença de sua amada.
Ele deu um passo para trás, enxugou as lágrimas e disse, mais uma vez, agora mais alto. - Obrigado.
Ela sorriu para ele, beijou-lhe o queixo e foram, a passos lentos e de mãos dadas, para casa.
- Eu te trouxe umas roupas suas. Enquanto você procurava aquela garrafa, pequei algumas roupas suas e coloquei na minha bolsa. Tome um banho. Vai te relaxar um pouco.
Ele sorriu para ela, beijou-a e entraram.