sábado, 30 de junho de 2012

10 - E foi debaixo de uma árvore...


  Do lado de fora, Renato e Leila observaram Esdras entrar no seleiro. De repente, um vento forte veio acompanhado de nuvens cinzas que cobriam o céu, e a porta do seleiro fechou bruscamente, fazendo um estrondo. "Rápido, suba na árvore" disse Renato. Leila não questionou e subiu com uma certa agilidade.
  "Mas e Esdras? Vai ficar tudo bem?". "Não se preocupe, eu o conheço desde quando eu me conheço por gente, ele sabe o que faz". E nisso, eles esperaram.
  Minutos se passaram, minutos tensos, até que leila decide quebrar o silêncio e, em meio ao assovio do vento e tanta timidez, pergunta: "Re-Renato... Me conte sobre você?". "O que quer saber?" "Tudo! Como conheceu o Esdras? Qual a história da sua vida? Quero saber mais sobre você".
  Renato, que está apoiado com as costas na árvore, apenas olha para cima, vê Leila nos galhos olhando-o com aqueles olhos castanhos brilhantes. "Bem, ele sempre esteve presente na minha vida", Renato olhou o horizonte e, com os olhos brilhando, continuou a contar. "Quando criança eu pensava que ele era meu pai, mas ele me contou que meus pais morreram num incêndio e que eu estava em casa. Uma viga caiu em cima deles e morreram na hora. Esdras diz que entrou só pra me salvar, pois sabia que meus pais não poderiam fazer nada. Ele disse que, quando olhei pra ele, comecei a rir. Sempre que estive com ele me sentia protegido, me sentia completo". E uma gota caiu na cabeça de Renato, ele deu de ombros e ignorou. Mal ele sabia que era Leila que estava emocionada com a história. "E cresci. Ele me ensinou a tocar instrumentos, a desenhar, ele foi um verdadeiro tutor. Nunca fui para a escola, ele que me ensinou tudo: Física, matemática, biologia, química, geografia... tudo mesmo".
  "E como você, com essas circunstâncias, sabia que duendes existem?" disse Leila enxugando os olhos com um dos braços. Renato olhou para ela, deu uma risadinha e abaixou a cabeça olhando para o horizonte novamente. "Pelo simples fato de que olhei a verdade nos seus olhos. Esdras me ensinou até isso. Eu conheço a linguagem corporal, consigo ver a verdade só de olhar nos olhos de alguém. Por isso eu nunca tive vontade de estar do lado de ninguém, sempre via maldade, falsidade, malícia nas pessoas. O incrível é que eu não vejo nada de ruim em você. Você é diferente das outras pessoas".
  Leila ri timidamente. "Esdras deve estar certo, deve ser obra do destino". Renato concorda.
  "E você, como foi que conseguiu se envolver nisso tudo?"
  Leila abaixou a cabeça e, com uma expressão de mágoa, começa a contar. "Bem, eu fugi de casa porque meu pai ele ficava bêbado a todo momento, e já que somos só nós dois, ele desconta toda a raiva dele em mim. Chegou uma ora que eu cansei e fugi, fugi para bem longe...". "Onde seu pai mora?" perguntou Renato. "Morávamos em São Paulo, aí eu fugi para cá. Peguei um ônibus e simplesmente, fui para o lugar mais longe que o meu dinheiro podia pagar. Mal sabia eu que ele é um bruxo ou alguma coisa do tipo. Aí ele mandou aquelas coisas atrás de mim. E corrento pela avenida, vi um portão aberto e entrei. Bati na porta desesperadamente e você a abriu. Bem, o resto você já sabe".
  Renato levantou a cabeça e seus olhares se encontraram. "Obrigada" disse Leila com uma voz suave enquanto lágrimas escorriam em seu rosto.
  De repente, uma luz iluminou o rosto da moça, e Renato olha para o seleiro e se levanta abrindo o sorriso. "Olha! Esdras saiu!". E os dois correm em direção dele.

sábado, 23 de junho de 2012

9 - Batalha

  Dentro do seleiro escuro, Esdras fica em posição de ataque. Uma voz estranha, em tom de zombaria surge do breu. "Ora, ora, ora... Se não é o "poderoso Esdras" com sua macheza imposta para nós". Do nada, doze tochas acendem, três em cada parede, iluminando o local. Esdras olha, imóvel, o ambiente desconfiado. À sua frente, cinco seres estranhos, parecem seres humanos, porém, o que chama a atenção são duas características. Sob os ternos pretos, via-se protuberâncias, doze, divididas igualmente em duas fileiras verticais e seus olhos azuis escuros, do mesmo tom das gravatas, pareciam ter um toque hipnotizador do modo que brilhavam, pareciam ser feitos de cristal.
  "Venatores" disse Esdras num sussurro abafado pelos dentes serrados de raiva, porém surpreso. E diz em voz alta "Então são vocês os responsáveis por aquela confusão na cidade". O som de sua voz ecoa pelas paredes, mas num curto espaço de tempo.
  O do meio, o mais alto e magro de todos respondeu com o queixo erguido e o peito estufado, responde com uma voz calma e suave "É claro! Quem mais faria?" e ri com a boca fechada, porém sorrindo. Esdras, com um olhar de raiva, pergunta o motivo. A reação foi inesperada. "Ha Ha Ha! Por qual outro caso seria?" disse o mesmo homem, "Vingança é claro" E vira apenas a cabeça para a direita, para ver os outros seres. Ele solta um sorriso. Em momento nenhum, as mãos deles saíram dos bolsos das calças. O que estavam escondendo?
  "E o que faz aqui, seu verme?" Disse aquele que é o mais baixo e gordo. Ele estava mais ao fundo e  à direita do homem mais magro. "Veio procurar encrenca?" Disse abrindo um sorriso curioso, como se estivesse zombando da situação.
  "Vim fazer justiça" falou Esdras em um tom determinado. E o gordo voltou a questionar sem desfazer o sorriso. "E como sabia que era a gente?". "Não sabia que eram vocês até o momento em que vi o duende enforcado no candelabro lá no teto" e todos olharam para cima.
  Em um movimento de braço sincronizado, todos posicionaram suas mãos direitas abertas próximas ao corpo. E, como num fade in, surgiu uma foice em cada mão. "Venha fazer justiça" tentou, o homem magro, Esdras. "Com prazer"
  E os olhos dourados de Esdras se encheram de um vermelho tipo sangue e caminhou em direção a eles. "Fartura, ele é seu" disse o maior homem para o menor. "Com prazer" ele respondeu. "Será uma batalha deliciosa". E correu para o ataque.
  No meio do caminho, quando Esdras começara a correr, o homem gordo some. Uma risada, provavelmente dele, toma conta do ambiente. As chamas das tochas movem-se no sentido horário. E sem tirar os olhos do homem da frente, levanta, em um movimento certeiro, sua espada. Esdras ensaia um sorriso, enquanto o homem alto arregala os olhos. Fartura estava com a espada fincada no meio de sua testa. O sangue verde escorreu pelo pulso até o cotovelo de seu assassino e começou a pingar, formando uma poça no chão. "Quem será o próximo, Riqueza? Mande-me o próximo a ser sacrificado". Agora é a vez de Esdras zombar enquanto abaixa a espada, derrubando o morto. Os quatro homens restantes retomaram a postura séria.
  Com um olhar um tanto... sedutor, Riqueza, o tal 'homem alto e magro', dá uma resposta rápida. "Essa batalha não é para ser feita num seleiro como este. Muito menos para um momento desse. Espere e terá a oportunidade de lutar pela sua vida. Se é que você terá chance. Ha Ha Ha Ha Ha!!!" E os quatro brilham numa luz branca forte somem no ar.
  Esdras sai do seleiro.

sábado, 16 de junho de 2012

8 - O seleiro

  Esdras, curioso, pede para que o casal fique atrás da árvore ao lado. A única árvore do próxima ao seleiro. Esdras, a passos curtos e lentos, precave-se de qualquer possível ataque. Curiosamente, ele retira, com cautela, uma espada das costas. Uma espada que estava escondida em seu sobretudo marrom. O punho, revestido com uma faixa branca, porém, com manchas de sangue. A guarda da espada tinha a forma de um dragão, o que parecia estar entrelaçando a lâmina, o cunho e as mãos do esgrimista. Com uma pegada firme à arma, Esdras olha fixamente para a escuridão. O suor frígido escorre de sua testa, percorre até sua bochecha e pinga de seu queixo. De repente, um vento gelado sopra vindo de dentro do recinto. Esdras se põe em posição de ataque.
  Segundos passam, mas ao olhar a cena, a impressão que tem-se é de que o tempo parou, até a respiração dos jovens se aquietaram.
  De repente, um cachorrinho, parece ser um filhote de labrador. Laila se derrete. "Que fofuxo!!". Ela se preparou para sair da proteção da árvore, mas num único movimento rústico de Renato, Leila é impedida. Ela aquieta-se quase que instantaneamente. "Ele sabe o que faz" diz o jovem. "Ele não baixou a guarda. Veja. Espere".

  Aos poucos, sem piscar, Esdras se aproxima do labrador, que faz uma carinha de dar dó.
  Agora, a centímetros do animal, Esdras suga o ar. Suas narinas se abrem, e antes que pudesse liberar o ar de seus pulmões, um golpe certeiro. Num rápido movimento de braço, o cão é cortado com uma precisão cirúrgica. Ele foi dividido em duas partes iguais. Os intestinos ainda se movem, mesmo após serem esparramados no chão. O sangue jorrado mancha a grama, a espada e a roupa de seu assassino. E uma lágrima cai lentamente até o chão. Era de Leila.
  Num berro, Esdras chama seu velho amigo. "Renato! Você ainda anda com o seu isqueiro?". Renato se agita, mexendo nos bolsos a procura do objeto. Acha rapidamente e lança para Esdras. "Toma!"
  O homem agarra. Observa o objeto e logo joga no chão. "Não esse isqueiro. Aquele. Você sabe de qual eu estou falando. Depressa!!". Renato entende. Abaixa-se e retira, do solado de seu coturno, um objeto retangular de dourado. Era aquele isqueiro.
  "Achei. Tomara que funcione!" e ele lança para Esdras, que pega e se prepara, ainda com a espada em posição de defesa. Pronto para acender, ele dá passos curtos em direção ao seleiro de madeira úmida e sussurra ao vento "E é bom que funcione mesmo".
  A poucos metros da porta entreaberta da construção, Esdras acende o isqueiro, que lança uma pequena labareda. Poucos centímetros, mas com uma luz muito forte. E ele entra. Não passou nem mesmo um segundo lá dentro quando a porta se fechou com força. E o som era como o de um trovão quase abafado.
  Como se fosse magia, o céu azul foi tomado por nuvens negras, o assovio agudo do vento toma conta do ambiente. Os cabelos de Renato e de Leila agitam-se. Ele mantém-se imóvel mesmo tendo o seu cabelo relativamente longo na cara, mas ela tenta segurar seu cabelo que cobre-lhe os olhos. "O que...?". Leila não entende o que acontece. Renato percebe a curiosidade da jovem e fala com uma voz calma. "Problemas estão por vir. Acho melhor você subir na árvore, estará mais segura lá".

sábado, 9 de junho de 2012

7 - Destino


  Esdras, Leila e Renato, ao terminarem de comer, preparam-se para seguir viagem. "Vamos logo" disse Esdras, "temos um longo caminho pela frente". Ao levantar-se calmamente, Renato, com uma voz suave, questiona do destino. E como resposta Estras diz que eles irão encontrar suas irmãs.
  "Sim, eu tenho irmãs. Três para ser mais exato. Vocês já devem ter ouvido falar delas por mitos ou contos. São elas quem destina todos os seres, fazem todas as possibilidades de destino para cada um. Não sei muito, pois é muito difícil, quase impossível de falar com elas. Nem mesmo eu consegui. Já tentei mas não fui bem sucedido na minha tentativa."
  "E são elas suas chefes?" perguntou Renato ao seu amigo. "Digo, são elas que mandam vocês para que cumpram os nossos destinos?"
  "De certa forma, sim. Elas nos mandam cartas com o nome ou os nomes das pessoas, os possíveis destinos e, sublinhado, a que elas acham que será melhor. Até hoje nunca escolheram errado. de cara, parece que foi ruim, mas depois de uns dias, semanas ou até mesmo anos, vemos que foi o melhor mesmo."
  O pasto verdejante se move com o vento dando a impressão de estarem andando sobre o mar. As árvores, poucas mas com copas abundantes, se movem com o vento vindo do oeste. Uma brisa suave suavizando o calor do lugar. o silêncio calmante domina o lugar. Ouve-se apenas alguns sons de animais de fazenda e insetos, mas mesmo assim, baixo. O sol está bem no horizonte, um pouco acima da copa das árvores. É cedo ainda, deve ser por volta de nove horas da manhã ainda.
  "Sabe onde estamos?" Perguntou Leila torcendo uma resposta de qualquer um dos dois. "Devemos estar em Águas de Lindoia ainda, não fomos muito longe, só corremos em direção pro mato mesmo. Devemos estar numa fazenda". E veio um silêncio da parte de Renato após responder.
  Poucos metros a frente, Leila, saltitando, avista uma casa, um seleiro talvez. A felicidade dela é contagiante. Um sorrio tímido aparece no rosto suado de Renato, o que é puxado pelo braço por ela para irem até o local. Porém, Estras, desconfiante, segura-o pelo braço, puxando junto Leila. Os sorrisos somem dos rostos.
  "Tem alguma coisa de errado aqui" disse o "anjo da guarda", "Muito errado mesmo" e uma pausa. Um suspense no ar. " Está muito quieto aqui" uns segundos de silencio. Esdras sussurra "Quieto demais. Fiquem aqui"

sábado, 2 de junho de 2012

6 - Revelação

  E é com as mãos nos ombros de Renato que o homem "invisível" o acalma. "Posso te perguntar uma coisa?" disse Renato, "seria possível que ela possa ver" (e faz um sinal com a cabeça direcionando a atenção para Leila). E é abrindo um sorriso que ele diz que fará o possível. Ele anda em direção a ela e a olha bem no olhos, mas ela não o vê. Porém, aos poucos, como num Fade In lento, o velho aparece bem diante dos olhos da jovem. Ela não se assusta, pelo contrário, até gosta da "surpresa" e ainda pergunta inocentemente "O que é você? Um fantasma? Um anjo? Uma alucinação minha?" E ele abre um sorriso. Ela aproveita para dizer "Não sei quem e muito menos o que você é, só sei que gostei de você".
  "Está ficando tarde" disse o homem. "Vamos para debaixo daquela árvore, vamos acender uma fogueira que explicarei tudo a você. Sem contar que devo ainda uma historinha para contar para o nosso amigo". E assim o fizeram.
  Já era fim de tarde e o frio chegava sem avisar. A fogueira acesa não é o bastante para mantê-los quentes o bastante, mas dava ao menos para passar a noite. "Toma" disse para Renato entregando-lhe o sobretudo, "Deixou naquele beco depois da sua aventura". "Obrigado" disse ele ", mas eu acho que é ela que precisa, não eu". Renato pega seu sobretudo das mãos do homem, caminha em direção à Leila, que treme muito por causa da baixa temperatura, e coloca a roupa sobre os ombros dela e a abraça com intenção de esquentá-la nessa noite.
  E ela o aperta, como se quisesse que ele jamais a soltasse.
  Renato pergunta se ela está bem, ela responde positivamente.
  Ela está abraçando os joelhos, o sobretudo a cobre quase que por inteira, cobre-a do nariz à ponta dos pés calçados. Apesar do frio, o calor que há entre os dois é incomparável, incompreensível, inexistente. Renato brinca com o cabelo de Leila, a acaricia, a acalma, até em que caia no sono. "Ela estava cansada" disse ele. "Amanhã você nos conta melhor o que tinha a dizer. Já é muito tarde, eu também estou cansado. Vamos dormir". E Renato, após terminar de falar, apoiou sua cabeça sobre o da moça e dormiu também.
  Sozinho, o homem reflete. "Ah se vocês soubessem o quanto a união de vocês é importante..."
  De manhã, raios de sol batem direto no olho de Renato, acordando-o. Assim sendo, solta um bocejo e se prepara para levantar, mas fica sentado no pé da árvore pois, encolhida, está a jovem moça com o sobretudo dele. o sorriso estampado no rosto dela deixa claro o amor entre os dois.
  "Bom dia" chegou o velho carregando três peixes que aparentemente acabara de pescar. São pequenos, mas não há o que reclamar, qualquer comida bastava para aquele momento. "Vou acender a fogueira para que possamos comer."
  Ouve-se um bocejo. É Leila acordando. Ela deseja um bom dia a todos mas decide não se levantar. As pernas de Renato estavam dando um certo conforto, prazer e segurança a ela. "Bem, vejo que o nosso café-da-manhã está aqui. Posso saber quando irá nos contar aquela história que prometeu? Estou super curiosa até para saber o seu nome".
  "Bem" e é sentando que ele começa a contar ", pra começar, meu nome é Esdras, o que significa 'Aquele que socorre', e é por isso que estou aqui, para proteger e socorrer você, Renato"
  "Então você é um anjo da guarda?"
  "Não necessariamente, mas se quiser, pode me considerar assim. Bem, a minha missão aqui não é nem segui-lo, mas sim fazer com que o destino se cumpra como foi planejado. Sim, destino existe, mas são vocês, humanos, que escolhem qual seguir e como ele vai ocorrer. Não sei quem os escreve, só sabemos o nosso dever. Ah, acabei de me lembrar, também não posso contar o destino de ninguém, nem o que pode nem o que pretendemos que ocorra nem o que queremos evitar. Só posso dizer que o destino determinado é bom."
  "Mas afinal, o que você havia dito, falou que não era um anjo, o que é afinal?" perguntou Renato curioso.
  "Bem, na verdade, na verdade, não tenho definição, fomos criados para desconhecer nossas origens para que foquemos em nossas missões. Geralmente relacionadas com os destinos, mas há de proteção, de batalhas, de contratos, entre muitos outros".
  "E vocês não pensaram nem em se denominarem?" Leila, quis saber.
  "É mais complicado do que parece. Até mesmo simples apelidos, simples para vocês, para nós, influenciam nas nossas vidas, por isso, preferimos sermos chamados por nossos nomes. Pode se considerar que, assim, nos tornamos seres únicos".
  E Renato avisa "O peixe vai queimar assim". A conversa estava tão boa que o desjejum deles havia sido esquecido. Ao menos, não ficaram crus os peixes.

  "Vamos, comam logo, temos um longo caminho a percorrer. Sejamos rápidos".
  Após terminarem de comer, partiram para uma terra distante e desconhecida.