sábado, 27 de outubro de 2012

27 - Uma verdade revelada

  Renato e Leila estão em um ônibus na cidade de São Paulo. Eles estão voltando do colégio indo até a casa dele. O céu está cinza, o vento sopra fracamente, mas já é o bastante para levantar o cabelos. A viagem demorou mais que o de costume, foram quase duas horas, isto porque houve um acidente no meio do caminho. As pessoas, curiosas como são por natureza e apaixonadas pela desgraça alheia fazem tumulto por causa do acidente, torcendo para que, do meio das ferragens retorcidas, o motorista saia vivo.
  Tirando o fato de ser uma tragédia, o acidente foi perfeito para que Renato e Leila possam conversar mais e mais, possam ter mais assuntos e possam se conhecer mais. Esdras está logo ao lado deles. Ele está de pé só observando. Até pareceria estranho, isso se ele não fosse visto apenas por Renato.
  Enquanto isso, Leila fala. As doces palavras dela parecem hipnotizar o jovem rapaz. Política, colégio, música. Ah! como ela fala bem! Em apenas uma hora, ele já sabia que ela é centro-esquerda, amava a aula do João Macedo. e não suportava a aula de geografia do Maldonado, e também soube que adora Pink Floyd, Bon Jovi, Dire Straits e Guns N' Roses. Gosta também de Queen, Elvis e Aerosmith. É apaixonada por música e sonha em um dia ser cantora.
  "Como a vida passa rápido!" Renato olhou curioso. "Parece que foi ontem o dia que te vi pela primeira vez no sétimo ano. Via um garoto meio gótico, alguém que gostava de ficar sozinho. Chegava e ia embora sozinho. Nunca tinha ouvido a sua voz, mas percebia que fazia vários comentários pessoais"
  "Você me observava?"
  "É... ber..." Ela gaguejou. "de certo modo sim. Desculpa, mas você era estranho. Ao menos aparentava. Achava isso até ontem. Hoje eu vi que você não é assim. Mas..." ela abaixa a cabeça, mas não consegue esconder que ficou corada "...eu te achava bonito. E-eu sentia que... não sei... parecia, digo, sentia algo quando eu te via. Sentia que, por trás de todo esse isolamento, havia um garoto... Não! Um homem. Um homem carinhoso, doce, afetuoso e companheiro".
  Renato ficou boquiaberto, ensaiando um sorriso. Pequenos tiques em suas bochechas e piscadas rápidas denunciavam sua emoção. Ele fica sem jeito, gagueja ao tentar falar, dar uma resposta. "Bem... He he... é...". Nada, nenhuma frase, até que ele fecha os olhos, respira fundo e tenta mais uma vez. "Por que?". Ela foi surpreendida. Renato olha bem no fundo dos olhos dela como ela também o faz. "Por que você se abre assim com alguém que acaba de conhecer? Isso não faz sentido..."
  "Não sei, é que... parece que eu me sinto tão à vontade ao seu lado, senti algo quando fiquei perto de você que as palavras começaram a sair".
  Lá da frente do ônibus, o motorista, um velho amigo, grita. "Renato, o seu ponto!". Chegaram ao destino final. Ao descerem do ônibus, Renato agradeceu, como de costume, ao motorista por ter chamado-o e pela viajem tranquila também.
  E assim foi, até que eles entraram no prédio.

sábado, 20 de outubro de 2012

26 - O caminho é longo

  Surpreso, Renato fica imóvel ao olhar para trás e perceber a presença de alguém, uma garota com olhos que brilham com inocência e esperança, e um sorriso leve, mas meigo e sincero. Seus longos cabelos levemente ondulados e louros brilham com a luz das lâmpadas da sala e do corredor. Os olhos castanhos traduzem a pureza da alma e o acanhamento e timidez da carne. Os seios não muito grandes, mas também não muito pequenos são pressionados pela parede e por um dos braços, e o sorriso, Ah! o sorriso, os dentes pouco a mostra trazem calma para qualquer um.
  Alguns segundos se passaram no extremo silêncio, apenas os olhares cruzados e o zumbido das lâmpadas como trilha sonora do momento estão presentes. Renato dá uma leve virada no olhar à procura de Esdras, mas não o encontra. Uma gota de suor lhe desce pelo canto da testa até chegar ao queixo, pescoço e paras na gola da camiseta do uniforme.
  "O-oi". É ele que quebra o silêncio com uma fala gaguejada. E "Oi", ela responde. A passos lentos e curtos, como se estivesse com medo, a moça vai gradativamente aproximando-se de Renato, porém, vai chegando com uma postura firme, coluna ereta, mas com o meio do dedo indicados tocando o lábio inferior, como um sinal de timidez mesmo.
  Os pés arrastam no chão enquanto Renato continua o diálogo. "Leila é o seu nome, certo?"
  "Isso!" A timidez se fora. O sorriso está bem mais exposto e ela chega mais rapidamente ao lado dele e aguacha para ajudá-lo a recolher os pertences. "Vim lhe dizer que fiquei surpresa com o seu comentário na ultima aula. Eu jamais havia percebido como você era. Via apenas um garoto tímido que chegava sozinho e assim permanecia até que, ao fim de cada manhã, era sempre o último a sair da sala. Fiquei mais atenta nas suas ações nos últimos dois dias, mas hoje fiquei intrigada ao escutar o seu sussurro na aula de redação. Gostaria de conversar, se não se importa. O que vai fazer hoje a tarde?"
  "Bem..." Já se sentindo mais a vontade, senta no chão, abre um sorriso, tira o capuz da cabeça e esquece dos materiais. "Planejava ficar estudando. Você quer... espera, acho melhor não."
  "O que?"
  "Iria te chamar lá para casa para conversar, mas há dois problemas: Seus pais de virem te buscar e eu que vou de ônibus, fico mais de uma hora dentro dele".
  "Você está me convidando para ir na sua casa?"
  "Bem..."
  "Eu adoraria! Não tem nenhuma problema, já que eu iria ficar no colégio mesmo e não vejo problema em andar de ônibus. Se me convidou eu aceito, caso contrário, combinamos de sair um outro dia, talvez".
  "Então vamos. Dá cinco minutos até o ponto e eu ainda tenho que terminar de arrumar as minhas coisas. O ônibus chegará no meu ponto daqui a vinte minutos".
  E assim foi. Com doze minutos de adiantamento, os dois chegaram ao ponto de ônibus. A conversa flui como um rio até a chegada da condução. Lá dentro, por sorte, haviam dois lugares apenas. E lá se sentaram, um do lado do outro. E, como já era de se esperar, a conversa não parou em momento nenhum, mas nada era sobre assuntos muito pessoais.

sábado, 13 de outubro de 2012

25 - Acredite, você não está soziho

  Início de tarde, o colégio de Renato está, aos poucos, se esvaziando, já que as seis aulas já chegaram ao fim. Nisso, após a sala de aula estar completamente vazia, apenas com Renato exatamente como estava quando soou o sinal de fim de aula. E é assim que permanece por alguns segundos, até que então se levanta e começa a juntar seus livros e fichário. Agacha-se para guardar seus pertences e, simultaneamente, conversa com Esdras. De costas para a porta, espera poder se erguer e ir direto para o lado externo do edifício com nenhuma dificuldade ou pessoas obstruindo sua passagem. Não há pressa, uma vez que o ônibus que ele tem que tomar só chega no pondo dele daqui uma hora.
  Nesse momento, caro leitor, vejamos a situação: Renato está sozinho, sem ninguém para ele esperar e nem ninguém para esperá-lo, e o seu único contato é Esdras, alguém que só existe para ele. Não é real, um simples fruto de sua imaginação. Um amigo imaginário talvez? Difícil, uma vez que há apenas reflexões entre os dois, discussões. Nada de amizade, apenas alguém com quem ter debates e diálogos. Amizade não cabe na relação dos dois. Mas enfim, mesmo sem amizade, Esdras aparenta surpresa, mas com alegria por ter alguém que aparece à procura de Renato.
  Sim, eu disse que alguém foi atrás de Renato, alguém procurou aquele que não é procurado. Com parte do corpo escondido por detrás da parede e apoiando as mãos na porta aberta, há alguém que o observa esperando atenção. Não é uma pessoa qualquer, mas sim uma garota, a última pessoa que Renato (e por que não Esdras) estaria esperando.
  Bem, deixarei acontecer, por enquanto sem interrupções por comentários pessoais. Quem seria essa garota?

sábado, 6 de outubro de 2012

24 - A dura realidade

  Renato mora em São Paulo, mais precisamente, na capital. Seu apartamento possui um ponto de ônibus bem na frente da portaria. Todo dia ele pega uma condução que vai do bairro Santo Amaro até o Morumbi, onde fica o seu colégio. Ele mora sozinho, uma vez que, após a morte de seus pais em um trágico acidente, o seu tio banca a vida dele. O tio mora em outra cidade, uma cidade do interior chamada de Águas de Lindoia.
  Renato não é um garoto que pode-se chamar de popular no colégio. Na verdade, não conversa com ninguém. É o "excluído" da turma. Todos os dias ele se perde em seus pensamentos e desenhos. Um mundo vivido por ele e ilustrado por ele também. Sonhos, desejo, tudo se realiza e é até vivido por ele, mas no nosso mundo é o contrário.
  Há uma garota que ele observa, alguém que o atrai. O nome dela é Leila, e é uma das poucas pessoas que se arrisca em dar ao menos um "bom dia" para ele. Típica história hollywoodiana, poderia até ser, mas não tire conclusões precipitadas, caro leitor, essa história está apenas começando.

  Renato chega no colégio, o capuz sobre a cabeça esconde o headfone e o seu olhar da multidão. A mochila surrada em um dos ombros trazem poucos livros e muitos papeis, alguns em branco, outros já com desenhos prontos e esboçados. Uma caixinha de metal faz barulho no balançar de seus paços: é a caixa de lápis e material de desenho completo, presente dado no natal anterior pelo seu próprio tio. Ele enfim entra na sua sala, muitas carteiras vazias, mas muitos alunos em pé fazendo bagunça e algazarra (típica sala de ensino médio). Procura um lugar não muito no fundo, na verdade, um tanto na frente, na segunda cadeira. Ele pega um lugar colado à parede, um lugar onde ele encosta e olha, com um olhar cético para a cara de cada professor. Senta-se e espera a aula começar. Isso, meus amigos, é uma triste rotina repetida dia após dia por ele.
  A sala grande, com setenta alunos em sala, quase todos fazendo barulho, de repente vai se aquietando aos poucos. Motivo? O professor entrou. História. É dia de entrega de prova. Ele escreve o seu nome no canto do quadro como de costume e vai chamando aluno por aluno por ordem crescente de nota (mas não revela a nota). Por último, as três ultimas notas. Uma voz meio rouca e grossa calou o silêncio. "Vejamos quais serão os nossos três alunos mais bem colocados no quadro de nota. Em terceiro: Clarisse. Em segundo: Leila. Em primeiro: Renato. Leila e Renato foram os únicos a fecharem a prova, porém foi ele que apresentou respostas detalhadas e completas. Ela acertou tudo. Não desmerecendo-a, mas mostrando que vocês tem potencial". E a aula seguiu normalmente após vinte minutos de entrega de prova.
  Ao termino desta aula, o professor ia saindo quando parou na porta e chamou Renato para uma conversa em particular. Do lado de fora da sala, os dois conversavam. "Acho que você não gosta quando eu te exponho deste jeito, mas se você visse o tanto de zero que teve nesta prova, você entenderia o porque de eu ter te usado como exemplo. Precisamos incentivar esses alunos, e você é, digamos, o aluno perfeito". Renato apenas desvia o olhar. "Faça o que quiser, eu não ligo. Apenas faço a minha obrigação e aprendo. Quer me usar como exemplo? Fique a vontade".
  "Ótimo!!!"
  O professor da segunda aula já está dentro de sala quando ele retorna. Pede licença para entrar e toma o seu lugar.
  Matemática, Geografia, Recreio, Física e Biologia. Essas foram as sequencias do que Renato teve no colégio. Para terminar o dia, Redação. O professor chega animado na sala, fazendo brincadeiras como de costume. O olhar sádico de Renato permanece. "Bem, meus queridos, hoje trabalharemos um tema muito interessante. O tema de redação que veremos ao longo da semana será 'Felicidade'. Peguem uma folha e passem o resto para cá. Para o último de cada fila, peço que tragam-me as sobras" e passa fila por fila entregando um maço de folhas para o primeiro aluno de cada fila. Alguns minutos depois, o educador começa a falar, e no meio do monólogo ele cita um dos trechos da coletânea.
  "Você é feliz? O que seria felicidade para você? Vivemos em um mundo onde ser feliz ficou para segundo plano. Um tempo onde a prioridade é o dinheiro e, como resultado, ficamos felizes. [...] Tomando isso por base, meus queridos, vocês se acham felizes?"
  Sussurrando para si e olhando para a folha em branco em sua mesa, folha que ele planejava desenhar. "Feliz. tsc! É claro que eu sou feliz sem ninguém. Até parece que a companhia de outra pessoa me traria felicidade" e uma lágrima escorre no canto de um de seus olhos.
  Sarcasmo puro. Outra característica típica de Renato, mas isso você irá perceber com o passar do tempo.
  Logo atrás dele, uma cadeira atrás dele estava Leila, que por acaso acabou escutando o comentário dele que ficou o observando pensativa.
  Ao termino da aula, como sempre, Renato é o último a recolher seus materiais. Ele observara a saída de todos, imóvel, movimentando apenas os olhos. Finalmente sozinho, daí então ele se move. Ergue-se da cadeira e guarda lentamente seus pertences. O zumbido das lâmpadas são sua única companhia. Bem, os zumbidos e Esdras.
  "Por que sempre faz isso?"
  "Não tem ninguém me esperando, para que me apressar? É inútil".
  "Bem, eu não diria isso. Parece que há alguém te esperando sim. Ao menos hoje" Esdras faz um movimento com a cabeça indicando a porta.
  Renato, que está ajoelhado de costas para a porta, vira-se surpreso, e lá estava alguém.