Renato e Leila estão em um ônibus na cidade de São Paulo. Eles estão voltando do colégio indo até a casa dele. O céu está cinza, o vento sopra fracamente, mas já é o bastante para levantar o cabelos. A viagem demorou mais que o de costume, foram quase duas horas, isto porque houve um acidente no meio do caminho. As pessoas, curiosas como são por natureza e apaixonadas pela desgraça alheia fazem tumulto por causa do acidente, torcendo para que, do meio das ferragens retorcidas, o motorista saia vivo.
Tirando o fato de ser uma tragédia, o acidente foi perfeito para que Renato e Leila possam conversar mais e mais, possam ter mais assuntos e possam se conhecer mais. Esdras está logo ao lado deles. Ele está de pé só observando. Até pareceria estranho, isso se ele não fosse visto apenas por Renato.
Enquanto isso, Leila fala. As doces palavras dela parecem hipnotizar o jovem rapaz. Política, colégio, música. Ah! como ela fala bem! Em apenas uma hora, ele já sabia que ela é centro-esquerda, amava a aula do João Macedo. e não suportava a aula de geografia do Maldonado, e também soube que adora Pink Floyd, Bon Jovi, Dire Straits e Guns N' Roses. Gosta também de Queen, Elvis e Aerosmith. É apaixonada por música e sonha em um dia ser cantora.
"Como a vida passa rápido!" Renato olhou curioso. "Parece que foi ontem o dia que te vi pela primeira vez no sétimo ano. Via um garoto meio gótico, alguém que gostava de ficar sozinho. Chegava e ia embora sozinho. Nunca tinha ouvido a sua voz, mas percebia que fazia vários comentários pessoais"
"Você me observava?"
"É... ber..." Ela gaguejou. "de certo modo sim. Desculpa, mas você era estranho. Ao menos aparentava. Achava isso até ontem. Hoje eu vi que você não é assim. Mas..." ela abaixa a cabeça, mas não consegue esconder que ficou corada "...eu te achava bonito. E-eu sentia que... não sei... parecia, digo, sentia algo quando eu te via. Sentia que, por trás de todo esse isolamento, havia um garoto... Não! Um homem. Um homem carinhoso, doce, afetuoso e companheiro".
Renato ficou boquiaberto, ensaiando um sorriso. Pequenos tiques em suas bochechas e piscadas rápidas denunciavam sua emoção. Ele fica sem jeito, gagueja ao tentar falar, dar uma resposta. "Bem... He he... é...". Nada, nenhuma frase, até que ele fecha os olhos, respira fundo e tenta mais uma vez. "Por que?". Ela foi surpreendida. Renato olha bem no fundo dos olhos dela como ela também o faz. "Por que você se abre assim com alguém que acaba de conhecer? Isso não faz sentido..."
"Não sei, é que... parece que eu me sinto tão à vontade ao seu lado, senti algo quando fiquei perto de você que as palavras começaram a sair".
Lá da frente do ônibus, o motorista, um velho amigo, grita. "Renato, o seu ponto!". Chegaram ao destino final. Ao descerem do ônibus, Renato agradeceu, como de costume, ao motorista por ter chamado-o e pela viajem tranquila também.
E assim foi, até que eles entraram no prédio.